Foram 17 anos no boxe profissional. Sua direita avassaladora lhe rendeu 77 vitórias das 85 lutas disputadas; 61 por nocaute — sete derrotas e um empate. Ele desafiou alguns dos grandes entre os melhores pugilistas de todos os tempos, como Evander Holyfield, George Foreman e James “Quebra Ossos” Smith. No embate contra o britânico Johnny Nelson, em 22 de agosto de 1995, em São Paulo, ganhou por pontos e sagrou-se o primeiro brasileiro a conquistar o cinturão da Federação Mundial de Boxe na categoria peso-pesado.
Desde menino, queria ser Mohammed Ali e virou lenda. Dentro e fora dos ringues. Ao morrer, na quinta-feira, 24 de outubro, aos 66 anos, vítima de encefalopatia traumática crônica, a “demência do pugilista”, deixa o legado de ter sido quem era — José Adílson Rodrigues dos Santos, o Maguila.
Sergipano de Aracaju, ex-pedreiro, sujeito carismático e espirituoso. Humilde no jeito de ser e bronco no falar, sem medir as palavras, conquistou o Brasil.
“Não sou de briga, não. Sou sossegado”, afirmou, em entrevista à atriz e escritora Bruna Lombardi, nos anos 1990. Como ele costumava dizer, “o menino que eu fui continua dentro de mim”.
Sua vida rendeu livro, documentário e enredo de escola de samba. Maguila fez de tudo. Participou de programas de humor e foi até comentarista de economia no extinto Aqui Agora, do SBT. Vestindo smoking e luvas de boxe, o peso-pesado orgulhava-se de “defender os pobres”.
Certa vez, em uma roda de entrevistas para uma emissora evangélica, o pastor-apresentador quis saber do lutador: “O homossexualismo é uma doença ou uma coisa normal?” Com toda sua simplicidade, Maguila acertou-lhe um uppercut com as palavras. Deu-lhe uma aula de respeito e civilidade.
Antes e depois de abandonar as competições, em 2000, o lutador também foi garoto-propaganda. Em um anúncio, de 1990, para uma para uma marca de biscoito, o narrador anuncia: “Convidamos quem mais entende de bolacha no Brasil”. Aí vem Maguila: “Eu era menino, bolacha. Cresci, bolacha. Agora, chega de bolacha. Meu negócio agora é biscoito”.
O pugilista ainda se arriscou como cantor e compositor. Gravou um álbum de samba. Em Vida de Campeão, de sua autoria, ele cantava: “Dei um soco na preguiça/Pra moleza não baixei a guarda/Nocauteei a tristeza/Encarei a minha estrada/Derrubei todas as barreiras/O pessimismo mandei pra lona”.
Foi secretário municipal de esporte de Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, mas abandou o cargo seis meses depois, reclamando da falta de verba para ensinar boxe para crianças carentes. Alguns anos depois, fundaria seu próprio instituto.
Por duas vezes, tentou se lançar deputado federal. A última, em 2010, pelo então PTN, hoje Podemos. Admirador de Fernando Henrique Cardoso (“Não sei explicar direito, mas sou fã dele”), recebeu 2.951 votos — o equivalente a 0,01% dos votos válidos. Mais tarde, contaria em entrevista, saíra candidato apenas porque havia sido procurado e pago pelo partido.
Maguila era assim, sem papas na língua. E, o discurso, sem filtro, foi, sem dúvida, uma de suas marcas registradas. O lutador deixa uma coleção de pérolas — entre elas, algumas reflexões, por que não?
O NeoFeed selecionou dez de suas frases mais emblemáticas. Veja a seguir:
1. “Se a vida lhe der limões, dê uma porrada na cara dela”
2. “Igual eu só eu mesmo”
3. "O cigarro pode aumentar 100%, 500%. Vício é para quem pode, não para quem quer. Agora, produto básico, arroz, feijão, sabão... o pobre já anda se acabando de fome, agora querem que ande sujo também? Não é possível uma coisa dessa (...) O pobre não constrói mais com cimento. De que jeito? Ele tá fazendo barraco de madeira, debaixo do viaduto”
Sobre o aumento do cigarro, do sabão em barra e do cimento, em seu quadro de economia, no programa Aqui Agora, do SBT, levado ao ar entre 1991 e 1997.
4. “Sou muito macho dentro do ringue, mas dentro de casa sou como qualquer outro”
5. "A vida é boa para quem sabe viver. Tem de levar a vida como ela é, não fazer dela o que quer"
6. “Não importa o adversário, eu sempre estou pronto"
7. “Vou dar um cacete tão grande no Falconi que ele vai perder o rumo de ir pra casa. E, ao invés de ele ir pra Itália, vai pra Argentina”
Walter Daniel Falconi, em 1985, foi o primeiro lutador a levar Maguila para a lona. Na revanche, um ano depois, o brasileiro nocauteou o adversário, no 7º round. Embora argentino de nascimento, Falconi fez carreira na Itália.
8. “Se o público nos ginásios me deixa impressionado nas lutas? Olha, eu fui pedreiro, erguia um muro em um dia só, com muita gente passando na rua. Então, você acha que eu vou me preocupar com quem paga para me olhar lutando?"
9. “Onde a mão de peso-pesado pega, onde a mão bate, não cresce cabelo"
10. “Esse negócio de homossexualismo é para quem sabe ler, para quem inventou esse nome científico, para quem tem estudo. Para mim, o 'viado' [sic] não é uma doença. Ele nasceu com esse dom de ser 'viado' e de transar com homem. Então não acho que seja uma doença. Outra coisa que eu discordo do pastor é o seguinte: Quando Deus põe o filho dele na Terra... todos nós temos um destino. Leão Lobo [apresentador, assumidamente gay, presente na entrevista] não vai dizer que começou depois de grande. Ele começou com esse jeitinho desde pequeno. Deus que fez ele assim. Então a gente não pode ser contra. Eu tenho um filho de cinco anos. Se ele vê [sic] dois homens se beijando e me perguntar, vou responder: São dois 'viados”
Em meio às homenagens por sua morte, a declaração do pugilista, no extinto 25ª Hora, da Record, depois de 32 anos, viralizou — e , no post mortem, Maguila foi alçado a ativista da causa LGBTQIA+. Direto e simples, como sua direita. Dentro e fora dos ringues.