Em 2021, o private banker Fábio Molina, 30 anos, recebeu uma proposta inusitada: uma pessoa quis comprar o seu apartamento com tudo que tinha dentro, incluindo suas obras e objetos de arte. Junto com a nova casa para ocupar veio a ansiedade. Aproveitou a oportunidade de recomeçar sua coleção de obras de arte para pedir ajuda de alguém com um olhar mais aguçado, o art advisor João Paulo Siqueira, fundador da Act.
"O João me ajuda a ter calma. É um processo muito rico de aprender junto com cada obra nova que trago para casa – qual período histórico a peça representa, a história do artista e a mensagem que tem por trás", explica Molina.
E Molina não está sozinho. "Percebemos que há um aumento de jovens e novos colecionadores e não apenas de classe AAA. Somos procurados por pessoas de classe média alta que, mesmo com recursos limitados, querem ter uma coleção de arte pelo valor intelectual, formal e histórico", diz o advisor, que viu seu número de clientes crescer 40% nos últimos dois anos.
O crescente número de jovens interessados em comprar obras de arte foi notado mundialmente. Segundo relatório da Art Basel de 2021, considerando a parcela da população com alto poder aquisitivo, a geração millennial (pessoas de 25 a 40 anos), foi a que mais investiu em obras de arte em 2020. Entre eles, 30% gastou mais de U$ 1 milhão – contra 17% dos baby boomers (de 55 a 75 anos).
"Todo mundo ficou muito tempo em casa. Com isso, aumentou a vontade de ter um lar mais confortável e de criar estímulos para ficarmos ali", comenta Molina. O que poderia trazer mais estímulo para ficar olhando em casa do que uma obra de arte? Devido às medidas restritivas de circulação para contenção da pandemia de Covid-19, visitar museus e galerias era uma das atividades em que o colecionador se sentia mais seguro. "Em um passeio desses você não tem quase contato com ninguém", explica.
Essas idas às galerias fizeram a coleção de Molina crescer. "Certa vez, eu fui visitar uma exposição, mas não vi nada que me arrebatasse. Pedi para ver o acervo. Lá, dei de cara com essa foto que percebi que fazia todo sentido tê-la em casa", conta. A obra é uma foto de uma série On Ice (1978-2015), da artista Vera Chaves Barcellos.
Atualmente, 70% das obras que Molina tem em casa são de artistas mulheres. Embora se preocupe com a representatividade na sua coleção, o private banker explica que foi algo natural. A demanda social por maior representatividade de gênero, raça e orientação sexual é refletida nas exposições apresentadas em museus e galerias. O que, de acordo com Siqueira, acaba ecoando nas coleções privadas também.
"Algumas vezes essa procura parte diretamente dos colecionadores; outras, ele é impactado indiretamente e direciona sua busca para esses artistas" afirma.
Orientações aos navegantes
A art advisor e fundadora da Kura, Camila Yunes, é neta do empresário Jorge Yunes, que foi um importante colecionador de obras de arte e antiguidades. Ela percebe uma mudança no jeito da sua geração consumir de arte em relação à de seus avós.
"As obras que meus avós colecionavam eram compradas principalmente em leilões ou direto como os artistas em um mercado local", explica Yunes, que viu seu número de clientes aumentar 72% durante a pandemia. "Hoje, existe um monte de artistas, galerias, exposições e feiras acontecendo no mundo todo. É uma profusão de informação gigante. O que eu acho maravilhoso, mas tem de saber triar. A atual dificuldade do colecionador é não se perder."
Para ajudar os interessados em comprar arte a navegar neste mar e entender o papel deles no sistema de arte, entram profissionais como ela e Siqueira. Tanto a Kura, de Yunes, quanto a Act, de Siqueira, são empresas de art advising que, além de prestar consultoria para aquisição de obras, oferecem aos clientes gerenciamento e catalogação das coleções, além de se preocupar com a formação dos colecionadores.
Os dois art adivsors afirmam que a maioria dos clientes, ao procurá-los, não está interessada em fazer apenas uma compra pontual. Eles querem construir uma história ao se iniciarem no colecionismo.
Quando começou a colecionar arte, o empresário Marcelo Antunes, 36 anos, direcionou o seu olhar para artistas já chancelados pelo mercado como Tomie Ohtake, Abraham Palatnik, Adriana Varejão e Vik Muniz. Mas sentia que precisava se conectar com os artistas de sua geração e olhar um pouco para a cena internacional.
"Eu tinha receio de entrar nesse universo de jovens artistas sem alguém para me orientar", explica Antunes, que conheceu o trabalho da Kura em 2019, ao realizar a catalogação de sua coleção, que comemora uma década.
Os laços foram estreitados ao procurar Yunes para ajudá-lo a conhecer novos artistas ainda não amplamente reconhecidos pelo mercado. A partir desse novo interesse, sua coleção cresceu 10% nos últimos dois anos e ampliou o espaço para mais artistas negros, mulheres e LBTQIA+, trazendo o que o colecionador chamou de "oxigenação". "A representatividade na minha coleção é algo que me orgulha muito", diz Antunes, que tem obras de artistas como Elian Almeida, Wallace Pato e Laís Amaral.
Na primeira exposição individual do artista Elian de Almeida, Antunes foi o primeiro a comprar uma obra – a pintura Clementina de Jesus (TIME), que faz referência à capa da revista americana Time. Quando viu a tela, o colecionador pensou: "It's time!". "Ao olhar para os artistas da minha geração, eu me sinto participando desse momento histórico da arte que eles fazem parte", afirma.
Pensamento compartilhado por Fábio Molina. "Você se torna um torcedor do artista. E quando você vê a carreira deles crescendo vem aquele sentimento de 'eu apostei nessa pessoa primeiro'", explica.