Para lançar um novo vinho, a vinícola chilena Garcés Silva começou driblando o esquecimento – e o preconceito – dos chilenos. O Catalino, que acaba de chegar ao Brasil, é feito com a uva país, cepa tinta trazida pelos jesuítas espanhóis no século 16.
A principal marca da bodega é Amayna, linha premium que desde 2002 atualiza o cenário do vinho chileno com pinots noir frescos e elegantes, provenientes de vinhas à beira do Pacífico, no Valle de Leyda. Afinal, mexer na joia da Borgonha não é para qualquer terroir, nem para todo enólogo. No entanto, foi a uva autóctone e desmerecida que despertou a ousadia da empresa familiar.
A fruta tânica do Catalino sofreu por décadas a concorrência das primas “chiques” francesas, incluindo a icônica carmenère. Seus hectares foram minguando e sendo destinados a bebidas de baixo custo e qualidade. Em parte pelo complexo de nação colonizada, que acha que tudo o que vem de fora é melhor; em parte porque os vinhos que imitavam os europeus alavancaram as exportações.
“Não foi que decidimos plantar a país, mas descobrimos parreiras de mais de 200 anos escondidas em um campo de 30 hectares que meu pai comprara há muitos anos. Achamos que era cabernet sauvignon, quando vimos o que era, pareceu maravilhoso! Era a chance de resgatar um vinho histórico”, contou ao NeoFeed María Paz Garcés Silva, diretora da vinícola e primogênita da segunda geração viticultora.
A família tem investimentos na agricultura com leite e frutas, mas os principais negócios são a Minera Andes Iron e a Engarrafadora Andina, responsável chilena pelo envasamento de Coca-Cola, das quais são acionistas. Mas "paixão mesmo é o vinho".
O achado de país, da década passada, deu-se numa fazenda em Coronel de Maule, a quase 400 quilômetros de Santiago. “Trabalhamos ali como se fazia na época da chegada dessa uva. Não temos nenhuma máquina, o arado é feito a cavalo, a colheita à mão e não se rega artificialmente”, conta ela.
Mãe de sete filhos, María Paz é braço direito do único dos quatro irmãos que estão à frente da bodega. Não é enóloga, não é sommelière, é alguém que teve “a oportunidade de estar com grandes conhecedores do mundo do vinho e se valeu dos seus conhecimentos”. É a filha que escolta os pais, de 83 e 85 anos, a se manterem no dia a dia da vinícola. É a pessoa que fez o projeto inusitado vingar.
No lugar da tecnologia, ela conta com Catalino Yevenez, homem que beira os 60 anos de lida: “Uma vez houve risco de incêndio e ele se recusou a abandonar a terra. Foi desesperador e foi bonito, deu a certeza de que aquele solo merecia ser homenageado.”
Não à toa, o rótulo que a Mistral começou a importar (R$ 226,07 a safra 2021) traz o personagem estampado. Embora não assinale, é “100% natural”.
“Adicionamos um mínimo de sulfito na hora de engarrafar, só para estabilizar. Mas é absolutamente natural: a terra é orgânica, vinificamos por gravidade, colocamos em ovos de concreto e aportamos cada dia menos madeira de barricas maiores e de mais usos”.
Lançado antes no Chile, com a safra de 2019, a recepção do Catalino surpreendera. “Já fizemos a colheita de 2023 e parece que o mosto está muito saboroso”, entrega María Paz. Por ora, a safra aqui disponível é muito frutada, rústica sem perder fineza. Mais é limitada.
No total foram produzidas 4 mil garrafas (ou 3 mil litros). Pouco mais de mil foram destinadas ao Brasil. A maior parte ficou em território nacional e uma parcela significativa foi para a China, segundo maior consumidor da Garcés Silva.
No Chile, produz-se mais de um bilhão de litros de vinho por ano e a venda para o mercado interno é um dos orgulhos da família. Outro? “Para a gente, como família, todos os projetos são focados na boa mesa, não no varejo. Catalino impressiona porque é um vinho fácil de harmonizar com distintos pratos”, diz ela.
Nesse contexto, o Brasil (hoje disputando a terceira colocação com os Estados Unidos) é um cliente promissor, que reúne “o melhor do mundo em gastronomia”. De quebra, aprecia tintos leves e frutados, coisa que a uva país tira de letra.
Dicas de harmonização? A chilena aposta no rótulo para a pizza ou o hambúrguer de domingo, mas admite que ele performou muito bem n’A Casa do Porco, sétima posição no ranking The World’s 50 Best Restaurants.