Em funcionamento desde 2013, a Livraria da Vila no shopping Pátio Batel, em Curitiba, tem 850 metros quadrados. É a maior da rede do empresário Samuel Seibel. A 21ª unidade, a do shopping Cidade São Paulo, na avenida Paulista, é a menor de todas. Inaugurada na terça-feira, 16 de julho, tem 170 metros — um quinto do espaço da curitibana.
A princípio, a diferença de tamanho entre as duas poderia confirmar a previsão de que, em função do e-commerce, o comércio de livros in loco estaria condenado. Ao contrário.
Não há mesmo mais lugar para as megalojas — Cultura está em recuperação judicial, Saraiva e Laselva faliram e a francesa Fnac saiu do Brasil. Mas, as livrarias físicas não morreram. Elas estão apenas mais enxutas. E, assim, vêm se expandindo.
“Nossa estratégia de crescimento, há quase uma década, é baseada em lojas mais compactas simplesmente porque estas demandam investimentos menores”, diz Eliana Menegucci, CEO da Livraria da Vila, em conversa com o NeoFeed.
Sem revelar dados financeiros da companhia, ela conta que as receitas cresceram no ano passado em relação a 2022. “As lojas mais compactas ajudam a aumentar a eficiência da companhia, pois reduzem nossos custos”, completa a executiva.
Por isso, a empresa enxugou a loja do shopping JK Iguatemi, um dos mais caros de São Paulo. Em compensação, pelo segundo ano consecutivo, montou, no térreo do mesmo centro comercial, uma pop-up. De 40 metros quadrados, em funcionamento até 31 de dezembro, o espaço é dedicado a coffee table books.
E, se em 2014, a Livraria da Vila fechou a unidade que tinha, inicialmente, quase 2,4 mil metros quadrados, no também sofisticado shopping Cidade Jardim, a companhia inaugurou recentemente, além do espaço no Cidade de São Paulo, uma filial em Goiânia.
Com 360 metros quadrados, a loja do shopping Flamboyant preenche um vácuo deixado pela Saraiva e pela Fnac. “Quando anunciamos nossa chegada, recebemos muitas mensagens encorajadoras de pessoas que diziam sentir falta de uma livraria na região”, conta Eliana.
A companhia prevê ainda mais duas novas filiais. A 22ª, no Park Shopping Barigüi, também em Curitiba, deve abrir em novembro. E, a do Partage Brasília Shopping, na capital federal, em maio de 2025.
"Algoritmo humano"
Há hoje no Brasil quase 3 mil livrarias, indica a Associação Nacional de Livrarias (ANL). Entre abril de 2021 e novembro de 2022, o país registrou o nascimento de 100 novos negócios. Parece pouco, mas é muito, se levado em conta o fechamento de 20% dos estabelecimentos durante a pandemia de Covid-19.
E, dos R$ 4 bilhões movimentados pelo mercado editorial brasileiro, em 2023, 8% vieram dos e-books, segundo a Câmara Brasileira do Livro (CBL).
Mas os especialistas são unânimes: a experiência proporcionada pela ida à livraria jamais poderá ser alcançada no universo digital. As lojas físicas desempenham um papel importante como espaços de cultura e, como defende a CEO da Livraria da Vila, de estímulo à leitura.
“As livrarias dispõem daquilo que chamo de ‘algoritmo humano’. São os nossos livreiros, que escutam os clientes e estão aptos a indicar títulos diferentes”, diz Eliana. “É algo que a internet não é capaz de replicar, assim como selecionar livros diretamente das prateleiras”. Em tempo: na Livraria da Vila, e-commerce responde apenas por 3% do faturamento.
Divulgado no fim do ano passado, o estudo Panorama do Consumo de Livros, produzido pela CBL em parceria com a Nielsen BookData, dá razão à executiva. A falta de livrarias perto é a segunda razão pela qual 28% dos brasileiros adultos não compram livros — a primeira é o preço.
Cafeteria e sugestões
No novo movimento do varejo livreiro, proliferam também as pequenas “lojas de bairro”. Frequentadas sobretudo por quem vive ou trabalha em seu entorno, muitas oferecem um espaço acolhedor para a leitura e cafeteria, além de palestras, encontro com autores e rodas de debate.
Em Curitiba, uma das mais festejadas é a Arte & Letra. No bairro do Batel, ela foi criada pelos irmãos Frederico e Thiago Tizzot, em 2006. É o desdobramento da editora de mesmo nome que eles lançaram dois anos antes. As de maior tiragem são impressas em uma gráfica terceirizada e as demais são confeccionadas, artesanalmente, na própria Arte & Letra, que ganhou uma cafeteria em 2011.
As prateleiras abrigam cerca de 4 mil obras — a Arte & Letra não se limita aos livros editados por ela. “Parte considerável do sucesso da livraria se deve à localização, que nos permite fazer parte do cotidiano de muitas pessoas”, diz Frederico, em entrevista ao NeoFeed. “São leitores, em geral, que chegam sem saber exatamente o que querem comprar — em busca, portanto, das nossas indicações.” É o tal do “algoritmo humano”, ao qual se refere a CEO da Livraria da Vila.
"Nano-livraria"
Na busca por se destacar, algumas livrarias apostam em nichos específicos. Inaugurada em 2021, a Gato sem Rabo foca em obras escritas por mulheres. O nome do lugar é um tributo a Um quarto só seu, de Virginia Woolf (1882-1941). No ensaio, publicado em 1929, a escritora britânica compara a raridade de um gato sem rabo à pouca representatividade feminina nos meios intelectuais da época.
Fundada pela catarinense Johanna Stein, a livraria se espalha por 65 metros quadrados, no térreo de um predinho colado ao Minhocão em São Paulo, região do centro da cidade que vem passando por um processo de revitalização.
Nas prateleiras estão expostos mais de 6 mil, livros de quase 2,5 mil autoras. “As livrarias, via de regra, são os locais mais ‘mágicos’ de qualquer cidade”, diz a livreira. “A Gato sem Rabo se transformou em um destino mesmo sendo uma ‘nano-livraria’.”
Fazendo coro a Eliana e Frederico, Johanna diz que, com a digitalização, as “trocas” que as livrarias propiciam são cada vez mais valorizadas. Frequentemente, os clientes que moram em outras regiões pedem a ela que espalhe filiais da Gato sem Rabo pelo país. Mercado, como se vê, há.
