Se você estiver procurando por felicidade e não a encontrar, pode ao menos ir à pequena cidade de Felicidade do Leste, no estado americano de Connecticut, lugar onde se passa o segundo romance do premiado poeta e escritor vietnamita-americano  Ocean Vuong, O Imperador da Felicidade, que acaba de sair no Brasil, pela editora Rocco.

Trata-se de um lugar fictício, mas com moradores que certamente vão tocar o coração do leitor. A Felicidade original deixou de existir, foi rebatizada como Millsap há quase um século, em homenagem a Tony Millsap, o menino que voltou da Grande Guerra de 1914-1918 sem membros e se tornou um herói — “prova de que nesse país você pode perder a si mesmo quase totalmente e ainda assim ganhar uma comunidade inteira”, escreve o narrador.

Entre contradições, extremos, opostos e incoerências, o romance pega o leitor pela longa descrição de hábitos, costumes e pessoas que fizeram dos Estados Unidos um dos lugares mais cobiçados e desejados do mundo: “Algumas pessoas daqui queriam que a cidade se chamasse Millsap do Leste, para absorver o brilho e encher as lojas, mas outras eram orgulhosas demais para deixar que nos batizassem em homenagem a um garoto cuja cadeira de rodas jamais deslizou por nossas calçadas”.

O protagonista é o imigrante Hai, um jovem de 19 anos que vive cercado pela solidão e pela precariedade do trabalho, com enorme dificuldade para interagir com as pessoas, maculado pela pecha de ser vietcongue. A angústia de viver assim deu lugar ao desespero e, por último, ao desejo de tirar a própria vida. Quando está prestes a conseguir seu intento, encontra, de forma inesperada, um vínculo que transformará sua vida. Após ser salvo por Grazina, uma viúva com demência em estágio inicial, ele passa a cuidar dela.

Entre os dois nasce uma amizade improvável, que se torna um refúgio em meio à violência crescente e silenciosa do cotidiano em um país que, para ele, simbolizava o sonho de uma sociedade justa e de oportunidades.  Sem qualquer conexão com obras de autoajuda, mas com jeito de literatura de engajamento social, o esperado e festejado livro de Vuong traz uma história sobre aqueles que vivem à margem da sociedade – jovens, velhos, imigrantes, pobres, viciados.

Tipos, enfim, que foram descartados pelo sonho americano e relegados aos bastidores da vida de sucesso que a América ofereceu a ele e não entregou. Com uma prosa precisa e lírica, em que a marca da delicadeza poética faz toda diferença, o autor transforma esses esquecidos em protagonistas humanizados de uma forma pungente, em que seu texto tão tocante captura momentos de conexão e empatia em meio ao colapso econômico acentuado que passam os Estados Unidos desde a virada desta década.

Ainda tão jovem, Hai tem de sobreviver à rotina esmagadora do trabalho, às minúsculas perdas diárias e à insistência em continuar vivendo, apesar de tudo. Desde as primeiras páginas, ele busca revelar como a dor compartilhada por seus personagens pode abrir espaço para ternura e pertencimento, mesmo entre aqueles que o mundo insiste em esquecer ou descartar. Em sua história, não há idealizações, apenas a verdade crua e bela do que significa seguir em frente.

O imperador da Felicidade pode ser definido como uma história sobre segundas chances – não como milagres, mas mínimos atos de coragem cotidiana para não se desistir de viver.  Página a página, a leitura encanta de diversas formas, como as descrições que o narrador faz da cidade onde se passa a trama nos primeiros parágrafos:

Com 400 páginas, o livro custa R$ 79,90 (Foto: Editora Rocco)

“É bonito aqui, porém. Até os fantasmas concordam. Pela manhã, quando a luz inunda este lugar com a cor da aveia, eles se elevam como névoa acima dos campos de centeio do outro lado dos trilhos e cambaleiam em direção aos cones dos pinheiros em busca de seus nomes, nomes que já deixaram de viver na boca de tudo que é vivo”.

Assim como fez em Céu Noturno Crivado de Balas, aclamado pela crítica e vencedor do Prêmio Whiting e do Prêmio T.S. Eliot, Vuong explora vidas econômicas e sociais periféricas, principalmente na América contemporânea. Sua prosa, muitas vezes híbrida entre poesia e narrativa, alcança uma linguagem bem cuidada e sem exageros, em vez de se limitar a uma mensagem moral ou de autoajuda.

Nas entrelinhas e até mesmo na ironia do poético título do livro, ele questiona o mito da mobilidade social norte-americana, mostra que, para muitos trabalhadores imigrantes ou de origem operária, esse “sonho” permanece inacessível ou se torna alienante. Ao se aprofundar nesses dramas tão pessoais, seus personagens tratam de temas existenciais como vidas marcadas por guerras, vícios, lutas de classe e por pessoas boas em busca de uma nova oportunidade.

Ao mesmo tempo, oferece reflexão sobre desigualdade, imigração, trabalho e questiona o que significa ter voz ou invisibilidade em sociedades modernas.  Com a expertise do olhar estrangeiro, da capacidade de enxergar e entender comparativamente com outras sociedades, o autor pega quem lê pela mão para contrapor a tudo isso seu olhar atento às miudezas e grandezas da natureza, da paisagem, do cotidiano que poucos param para prestar atenção.

Uma das vozes mais singulares da escrita moderna, nascido no Vietnã e criado nos Estados Unidos, Vuong tem composto uma obra relevante sobre identidade e perda com uma sensibilidade universal e rara. Aclamado pela crítica internacional e considerado um dos autores mais brilhantes de sua geração, a nova obra entrou para a lista dos livros mais aguardados da Time Magazine e foi selecionada para o Clube de Leitura da Oprah Winfrey. Seus textos também foram publicados na The Atlantic, Harper's, The Nation, The New Republic, The New Yorker e no The New York Times.

Inspirado por escritores como Dostoiévski e Kurt Vonnegut, ele é reconhecido pela capacidade de reinventar o idioma do trauma e da memória com delicadeza e poder. Ao refletir sobre o ambiente dos restaurantes de fast-food, por exemplo, ele observa como a sociedade evapora a humanidade em nome da eficiência em uma metáfora poderosa.