A vida fora da Terra está muito próxima. Satélites espiões orbitando a Lua, metais espaciais valendo mais do que o PIB de muitos países e pessoas vivendo em Marte em dez anos… nada disso é ficção científica. É astropolítica, como defende o jornalista e escritor inglês Tim Marshall, em O futuro da geografia, livro recém-lançado no Brasil, pela Zahar.
A obra oferece uma viagem vertiginosa pelo terreno da nova era espacial — um campo geopolítico inédito, que vai mudar drasticamente os rumos da humanidade. Embora pouco se fale a respeito, “caminhamos para, em breve, uma nova história de relação direta com o universo”. Nada disso, porém, é novo, afirma Marshall.
Desde os primeiros mapas planetários até a criação dos telescópios, há milhares de anos, o homem mira a conquista do espaço. E a política (ou geopolítica) sempre influenciou essa busca. As primeiras jornadas além Terra, por exemplo, foram impulsionadas pela Guerra Fria, lembra o autor.
Autor do best-seller Prisioneiros da geografia, Marshall é especialista em assuntos estrangeiros. Com com mais de 30 anos no jornalismo, ele cobriu diversos conflitos, como Bósnia, Kosovo, Afeganistão, Iraque e Síria, colaborando para a BBC e os jornais The Times, Sunday Times e The Guardian, entre outros.
“O espaço moldou a vida humana desde os seus primórdios. O céu ensejou nossas primeiras histórias de criação, influenciou nossas culturas e inspirou avanços científicos. Mas nossa visão do espaço está mudando”, escreve Marshall.
Depois de dois séculos de revolução industrial e de poderios econômicos, é natural que a humanidade se volte com mais atenção para o céu: “Exploramos o mundo e descobrimos que é finito. Agora que nosso território e nossos recursos começam a esgotar-se, descobrimos que aquela grande e linda bola no céu — a Lua — está repleta de minerais e elementos dos quais todos precisamos”.
Na opinião de Marshall, o satélite natural deverá ser usado também como plataforma de lançamento de foguetes e espaçonaves em busca de novos mundos habitáveis. Assim como no passado os humanos seguiram de ilha em ilha cruzando os mares, a Lua facilitará alcançar todo o sistema solar e além. “Não será nenhuma surpresa, então, estarmos em uma nova corrida espacial”, afirma.
A fim de entender o que está acontecendo, afirma ele, convém enxergar o espaço como um local dotado de geografia: há corredores adequados para se viajar, regiões que contam com recursos naturais importantes, áreas onde se pode construir e perigos a serem evitados.
Nas últimas décadas, observa o autor, tudo isso foi considerado patrimônio comum da humanidade — nenhuma nação soberana pôde explorar ou reivindicar o espaço em seu próprio nome, exclusivamente. “Mas tal ideia, consagrada em vários documentos louváveis, embora desatualizados e inexequíveis, vem se desgastando notadamente. As nações da Terra estão todas procurando levar alguma vantagem, onde quer que seja”, explica.

Diversos países estão pesquisando maneiras de desviar de rotas de colisão de asteroides imensos, capazes de destruir o mundo — e não há patrimônio comum maior que este.
Conforme afirma o escritor de ficção científica Larry Niven, citado por Marshall: “Os dinossauros foram extintos porque não tinham um programa espacial”. Não seria nada desejável sofrer outro golpe como aquele.
Demorou muito para chegarmos aonde estamos, escreve o autor. A teoria do Big Bang sugere que há 13,7 bilhões de anos cada coisa que hoje existe no Universo jazia comprimida em uma partícula infinitamente pequena, em pleno nada. “Estamos agora na era da astropolítica”.
Mas ainda não conseguimos estabelecer um conjunto consensual de regras para normatizar tal competição: “Sem leis governando a atividade humana no espaço, o cenário está montado para divergências em níveis astronômicos. Na era moderna, precisamos conhecer três protagonistas: China, Estados Unidos e Rússia”.
O modo como esses países escolhem proceder afeta a todos nós na Terra, diz Marshall. Os militares de cada um dispõem de sua própria versão de “Força Espacial”, que provê capacidade de combate às forças na terra, no mar e no ar. “Os três estão aperfeiçoando sua competência de atacar e defender os satélites que propiciam tal capacidade”, escreve o jornalista.
As outras nações sabem que não podem competir com as Três Grandes. Mas querem ser ouvidas quanto ao que “está no ar" — avaliando suas opções e alinhando-se em “blocos espaciais”.
“Se não conseguirmos encontrar um meio de avançarmos como um planeta unificado, um resultado será inevitável: competição e possivelmente conflito na nova arena espacial. E, por fim, olharemos para o futuro distante para ver o que o espaço pode nos reservar — na Lua, em Marte e além”, defende Marshall.
Em O futuro da geografia, o autor dedica um capítulo para a China, um para os Estados Unidos e um para a Rússia. Neles, analisa os planos presentes e futuros dessas nações. E compara as visões culturais ocidentais e orientais sobre a exploração do universo, o que reflete em uma abordagem diferente sobre o propósito de cada uma das potências.
Marshall também examina o papel do setor privado nessa arena em expansão. Nos últimos anos, empresas como a SpaceX, de Elon Musk; a Blue Origin, de Jeff Bezos, e a Virgin Galactic, de Richard Branson reduziram sensivelmente o custo das viagens para fora da Terra.
O escritor reforça com frequência a importância de uma regulação mais adequada aos novos tempos.
Entre outros tópicos não menos interessantes, ele descreve as variadas fontes de possíveis conflitos e desacordos Sem esquecer da questão do lixo espacial.
O certo é que continuaremos a nos aventurar para cada vez mais longe da Terra.
“Vamos nos estabelecer na Lua. Viveremos em Marte e além. Isso levará tempo, mas encontraremos aceleradores tecnológicos capazes de impulsionar mudanças que ainda não podemos sequer imaginar”, prevê Marshall.
Ou, como disse o escritor britânico Arthur C. Clarke, “elas hoje se encontram tão além da nossa visão quanto o fogo ou a eletricidade estariam além da imaginação de um peixe”.