O francês Thierry Teyssier é um hoteleiro nada comum. Comandava uma pequena companhia de produção teatral antes de escolher, há 20 anos, o cenário de uma fortaleza do século 19 no sul do Marrocos para montar o Dar Ahlam, um dos hotéis mais “fora da caixa” do mundo.
“Criei um lugar sem regras, sem chaves na porta dos quartos, sem check-in e check-out”, conta Teyssier ao NeoFeed. E não parou por aí. “Percebi que a hospitalidade não é sobre ter quatro paredes e um telhado. É um estado de espírito”, diz.
“Em vez de tentar convencer novos hóspedes a visitarem o meu hotel vi que podia trabalhar com os mesmos hóspedes que já adoram o meu conceito.” Foi com esse pensamento em mente que Teyssier idealizou, em 2018, o 700’000 Heures, primeiro hotel itinerante do planeta.
Seu nome é inspirado na média de número de horas da vida humana. Funciona assim: Teyssier escolhe o destino, “o lugar que está na minha bucket list”, e leva para lá mais de 100 baús de couro feitos à mão no L’Atelier de Manue, no Marrocos, cheios de objetos. Detalhe: os baús viram peças de mobília, como mesas e mesas de cabeceira.
Então, treina nativos do local e transforma estruturas simples em pequenos hotéis charmosos com média de sete quartos e experiências fora de série. Pense em um piquenique preparado por um chef à beira de um penhasco que dá para o oceano e um workshop seguido de jantar na companhia de artesãos. Tudo acompanhado por Teyssier em pessoa, o anfitrião.
Cada estrutura itinerante dura alguns meses e então tudo é colocado nos baús para a próxima jornada. O investimento para a empreitada varia conforme o destino. Teyssier não revela números, mas garante que o modelo de negócio é mais rentável do que um hotel fixo com 30 quartos.
O primeiro 700’000 Heures estreou em Salento, na Puglia, no sul da Itália, ao ocupar um palácio “esquecido”. Entre os programas por lá, foi possível participar de um jantar surpresa em um vagão de trem desativado, tomar café da manhã dentro de uma gruta de frente para o mar e explorar ruelas em um Cinquecento vintage.
Ser hóspede de Teyssier, porém, não é para qualquer um. Como um clube privativo, é preciso se associar pagando um fee de adesão de 2 mil euros e uma taxa anual de 500 euros, investimento que entra como um depósito para a viagem. Os “amazirs”, como são chamados os cerca de 300 associados, escolhem data e duração de estadia que quiserem. É claro que nenhuma jornada é igual à outra. As diárias saem, em alguns casos, 1,6 mil euros.
Em 2019, o hoteleiro se instalou em uma casa tradicional em Siem Reap, no noroeste do Camboja, e ofereceu vivências como jantar em meio a 5 mil estátuas de Buda no Angkor Conservation Centre e tomar sol em uma plataforma privativa de madeira montada no meio do Lago Tonle Sap. Ainda no mesmo ano, os Lençóis Maranhenses caíram nas graças do francês.
“Por muito tempo viajei duas vezes por ano para o Brasil. Tenho terras em Paraty e amigos aí.” Nos Lençóis, tomou conta de uma casa em Santo Amaro e levou seus hóspedes para passeios a cavalo nas dunas e degustações de cachaça. Uma das experiências inéditas foi dormir em camas à beira de uma lagoa, coisa que conseguiu com uma autorização especial do parque nacional.
No final do ano passado, 700’000 Heures esteve em Paris por pouco mais de um mês em apartamentos privativos na Place Vendôme e criou um mise-en-scène digno dos palacetes franceses. E este ano, no Lago de Como, na Itália, em uma bela villa sobre o mar.
Próximo destino? Paraty está em seu radar, admite o francês. E Japão a caminho, em 2022. Primeiro, Iné, um pacato vilarejo de pescadores no norte da província de Kyoto para experimentar, por exemplo, a pesca de ouriços com nativos.
Em seguida, um templo histórico em Koyasan, refúgio espiritual de peregrinação de budistas, onde será possível fazer uma imersão na cultura japonesa e ter até aulas de caligrafia.
“Se quero ter um impacto mais profundo com a comunidade local também preciso estar permanente”, revela. Teyssier está em vias de criar uma coleção de casas fixas em alguns dos destinos visitados com o DNA e serviços do 700’000 Heures. Mas isso já é outra história.