A epidemia africana de ebola, em 2014, acendeu uma luz de alerta para o americano Bill Gates, um dos fundadores da Microsoft e copresidente da Fundação Bill & Melinda Gates. Desde 2008, o bilionário dedica-se exclusivamente ao trabalho na instituição, devotada a combater, entre outras questões urgentes, a pobreza e as doenças infecciosas em países em desenvolvimento.
Impactado pelas informações que chegavam sobre as contaminações por ebola, Gates fez uma advertência sobre o despreparo mundial para enfrentar emergências sanitárias em um artigo publicado em abril de 2015 no New England Journal of Medicine, uma das revistas científicas mais prestigiadas do mundo. Também adaptou seu texto para uma apresentação no TED Talks: A próxima pandemia? Não estamos preparados.
Parecia que ele estava adivinhando: não se passaram nem cinco anos entre seus alertas e o advento da Covid-19, em dezembro de 2019, e da caracterização da doença como pandemia, em março de 2020, pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os resultados, como sabemos, foram desastrosos. Até agora, são mais de 548 milhões de casos confirmados e 6,3 milhões de mortes no mundo todo, segundo a OMS.
Em seu novo livro, "Como evitar a próxima pandemia", lançado agora no Brasil, pela Companhia das Letras, Gates volta ao tema e reforça as medidas que acredita serem necessárias para lidarmos melhor com uma nova crise de saúde pública – porque, enfatiza, não só diversas doenças infecciosas do passado ainda estão circulando como diferentes patógenos são descobertos com frequência. Só nos últimos 50 anos, foram mais de 1.500.
Gates reforça as medidas que acredita serem necessárias para lidarmos melhor com uma nova crise de saúde pública
Em uma prosa agradável e uma narrativa quase didática, capaz de envolver até mesmo quem não se familiarizou com termos como “escape vacinal”, “mRNA”, “teste de antígeno” ou “rastreamento de contatos” nos últimos dois anos, o autor combina informações atuais e exemplos históricos para apontar caminhos.
Os passos fundamentais ficam evidentes nos títulos de cada capítulo: “Aprender com a Covid”, “Criar uma equipe de prevenção a pandemias”, “Melhorar a detecção precoce de surtos”, “Ajudar as pessoas a se protegerem imediatamente”, “Encontrar novos tratamentos com rapidez”, “Preparar-se para produzir vacinas”, “Praticar, praticar, praticar”, “Vencer a disparidade sanitária entre países ricos e pobres” e, por fim, “Criar – e financiar – um plano para evitar pandemias”.
É no capítulo 2, “Criar uma equipe de prevenção a pandemias”, que Gates delineia sua principal estratégia: a formação do GERM, ou Global Epidemic Response and Mobilization (Mobilização e Resposta Epidemiológica Global, em português).
Ao custo de US$ 1 bilhão por ano – mais um investimento governamental conjunto de US$ 15 a US$ 20 bilhões anuais, na próxima década, para o desenvolvimento de vacinas, remédios, tratamentos e testes diagnósticos –, esse time de 3 mil especialistas em genética e epidemiologia, sistemas de dados, logística, diplomacia e comunicação, entre outras funções, seria administrado pela OMS e teria equipes trabalhando em todas as partes do mundo junto aos institutos nacionais de saúde pública de cada país.
No início de junho, em um congresso organizado pela revista Time, em Nova York, Gates afirmou tratar-se de um valor mínimo quando se considera que a pandemia da Covid-19 já acarretou perdas de mais de US$ 14 trilhões até agora.
Em uma entrevista à revista The Atlantic durante a turnê de lançamento do livro, em maio, o bilionário disse que, depois de tantas mortes e sofrimento ocasionados pela Covid nos últimos dois anos, seria muito irracional e estranho se esse investimento não fosse feito. Diante de uma escolha que parece tão clara, ele ficou preocupado em estar expondo apenas obviedades em sua obra.
Seu otimismo, entretanto, diminuiu principalmente depois do início da guerra entre Rússia e Ucrânia. Escassez de combustíveis e fertilizantes, inflação e orçamentos dilatados com gastos em defesa criam o risco, segundo ele, de tirar o foco da próxima pandemia. “O nível de discussão está menor do que eu imaginava”, confessou à editora Rachel Gutman-Wei.
Seu otimismo, entretanto, diminuiu principalmente depois do início da guerra entre Rússia e Ucrânia. “O nível de discussão está menor do que eu imaginava”
Ao final da leitura, fica-se com a sensação de que o plano de Gates é tão factível quanto utópico: ele não parece se dar conta de que uma estratégia global está sujeita à imprevisibilidade das pessoas e autoridades de poder.
Como relata no que chama de “desastrosa” reação da Casa Branca no começo da pandemia, nem sempre os governos seguem o pensamento científico ou estão dispostos a acatar as recomendações dos especialistas em saúde. Infelizmente, o mesmo se deu no Brasil – não por acaso, os dois países que, até este mês de julho de 2022, acumulam o maior número de mortes em decorrência da Covid-19.
Serviço:
Como evitar a próxima pandemia
Bill Gates
Tradução: Pedro Maia Soares e Claudio Marcondes
Companhia das Letras
344 páginas
Impresso: R$ 74,90
E-book: R$ 39,90
Lançamento: 15 de julho