San Sebastián — O protagonista de Balada de um Jogador não é necessariamente o apostador compulsivo que só se sente vivo sob as luzes de um cassino. A trama soa mais como uma desculpa para vender Macau, a "Las Vegas da Ásia", como um destino de turismo exótico, sobretudo para quem se ilude com a promessa de fortuna fácil.

Uma das regiões administrativas especiais da República da China, ao lado de Hong Kong, Macau é a grande personagem do filme. Apresentado recentemente na 27ª edição do Festival do Rio, o longa entra no catálogo da Netflix na próxima quarta-feira, 29 de outubro.

“Macau influenciou muito o filme. Ele não poderia ter sido rodado em qualquer outro lugar”, disse o diretor Edward Berger na 73ª edição do Festival Internacional de Cinema de San Sebastián (SSIFF). O NeoFeed participou do encontro da equipe do longa com jornalistas no evento no norte da Espanha, onde Balada de um Jogador foi um dos candidatos à Concha de Ouro, prêmio máximo do evento basco.

E o cineasta alemão completou: “É o lugar mais eletrizante que já visitei. É um ataque aos sentidos. É mais barulhento, mais colorido, mais agitado. Suas fontes [de lagos artificiais] são mais altas, e as luzes são mais brilhantes. E tudo isso precisava fazer parte do nosso filme".

É nesse “mundo de abundância”, como definiu Berger , que o personagem principal, Lord Doyle (interpretado por Colin Farrell), vive. Ou melhor, se perde. “Ele precisa muito encontrar a sua alma novamente. Mas é muito mais fácil se perder em um mundo tão cheio de coisas, tão cheio de escolhas”, continuou o diretor.

Apesar de posar de lorde, Doyle é um irlandês solitário com um passado sombrio que se esconde em Macau, após ter dado golpes milionários no Reino Unido. Isso explica a investigadora vivida por Tilda Swinton estar no seu encalço, na esperança de recuperar todo o dinheiro que ele roubou para apostar nos cassinos.

Como Doyle atravessa uma maré de azar, a ponto de estar prestes a ser expulso de seu hotel, onde as diárias estão atrasadas, o desespero para virar o jogo aumenta. Daí ele passar tanto tempo nas mesas de bacará, em que o nível de excitação sobe consideravelmente em seu cérebro, reforçando a compulsão.

“Passei bastante tempo com jogadores em Macau. Há neles aquele sonho de ter sorte e de alcançar a vida que imaginam ser a felicidade suprema, com todas as coisas materiais possíveis”, comentou o ator irlandês Colin Farrell, que ficou oito semanas na região. “Mas o jogo nunca me conquistou, o que me deixa feliz. Até hoje só estraguei o meu corpo e o meu cérebro e não a minha conta bancária”, brincou ele.

Em Balada de um Jogador, tudo é pensado para deixar o espectador inebriado com Macau — até porque Doyle está quase sempre bêbado, de tanto tomar champagne. Seu quarto de hotel é uma ode à opulência, assim como os seus jantares à base de lagostas gigantes.

"O jogo nunca me conquistou, o que me deixa feliz. Até hoje só estraguei o meu corpo e o meu cérebro e não a minha conta bancária”, brincou Colin Farrell, em encontro com jornalistas (Foto: Festival do Rio)

"É o lugar mais eletrizante que já visitei", disse o cineasta Edward Berger sobre Macau (Foto: Festival do Rio)

E, por mais que a saturação visual contribua para uma atmosfera de decadência, a câmera captura com perspicácia o que há de mais surreal no ambiente dos cassinos. O resultado proporciona à plateia uma experiência sensorial sedutora, dando uma ideia do frisson das apostas mais arriscadas.

Ainda que o orçamento do filme não tenha sido divulgado, Balada de um Jogador é uma das maiores produções internacionais já rodadas em Macau.

A primeira foi 007 Contra o Homem com a Pistola de Ouro, de 1974, com o ator Roger Moore no papel de James Bond. Um exemplo um pouco mais recente foi Truque de Mestre 2, de 2016, com Jesse Eisenberg, Morgan Freeman, Michael Caine e Daniel Radcliffe no elenco.

Balada de um Jogador contribui com a estratégia de tornar o perfil turístico de Macau mais atraente no cenário global. Um indicador disso é o fato de o produtor ser o inglês Mike Goodridge. Em 2018, ele comprou os direitos do livro que inspirou o filme (The Ballad of a Small Player, publicado em 2014 e ambientado em Macau).

Na ocasião, Goodridge era o diretor artístico do Festival de Cinema de Macau, posto que ocupou de 2017 a 2021, liderando a empreitada concebida para ajudar a diversificar a economia local.

Criada em 2016, a maratona de filmes já sinalizava que Macau queria se reinventar, apostando também no turismo — para não depender demais das receitas dos cassinos. Cancelado em 2021, em função da pandemia, o evento era organizado justamente pelo escritório de turismo do governo local.

Rodar nessa ex-colônia de Portugal, no entanto, representou um desafio para Goodridge e toda a equipe de Balada de um Jogador. Houve muitas restrições, mesmo com o filme exaltando a extravagância de Macau — que teve seu centro histórico declarado Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco em 2005.

“Estávamos em um ambiente muito regulamentado. Nos cassinos, por exemplo, você não consegue sequer mover as mesas sem que um alarme dispare”, recordou Goodridge, também presente no encontro com a imprensa na Espanha. “Um dos nossos maiores problemas foi criar dinheiro falso. Imaginem como o governo ficou feliz por fabricarmos um monte de dinheiro para trazer aos cassinos. Nossas notas tiveram de ser muito menores do que as reais. E fomos supervisionados o tempo todo.”