O que, afinal, transforma um executivo comum em alguém digno de admiração? Para alguns, uma trajetória repleta de experiência, MBAs e domínio sobre métodos e gestão parecem suficientes. Para outros, porém, é preciso ir muito (mas muito) além da zona de conforto. É nessa brecha, entre ambição e desconforto, que o Ironman surge como território para levar o autodesafio a patamares extremos.

Não à toa, dos 10,5 mil participantes das seis provas realizadas ao longo de 2025 no Brasil, 40% eram executivos. Enquanto nadavam 3,8 quilômetros (km) no mar, pedalavam outros 180 km e, depois disso tudo, ainda corriam 42,2 km, eles fortaleciam habilidades essenciais no mundo dos negócios.

“A competitividade no Ironman é similar à do mundo corporativo”, diz Carlos Galvão, CEO da modalidade Ironman no Brasil e ex-operador da Bolsa de Valores, ao NeoFeed.

“É preciso ter muito comprometimento, disciplina e resiliência, algo que se espera de um verdadeiro líder. Completar a prova, portanto, é uma verdadeira chancela de capacidade”, completa o responsável pela “importação” da competição nos anos 2000.

A proximidade entre os dois universos é tão estreita que, segundo Galvão, nos Estados Unidos, ter participado da distância mais longa e desafiadora do triathlon tradicional pode até contar na seleção de um novo C-level — até de um CEO: “Na disputa entre dois candidatos, quem tiver o símbolo do Ironman no currículo leva vantagem”.

Para ser um homem (ou uma mulher) de ferro, são em média quatro horas de treino por dia. E conciliar a rotina de preparo com o dia a dia do trabalho não é fácil. O Ironman é composto majoritariamente por atletas amadores (apenas 1% é de profissionais).

Em 2025, em todas as suas etapas, a competição movimentou R$ 50 milhões. Para o próximo ano, a meta é atingir R$ 60 milhões de faturamento e 12 mil participantes, com a inclusão de mais uma prova no calendário, a ser realizada em Curitiba.

Desse valor, 45% vêm das inscrições; 25%, de patrocinadores e 20%, de parcerias públicas. Os outros 10% são provenientes das lojas oficiais, instaladas durante o período dos eventos. “Nosso propósito é fazer a diferença na vida das pessoas, por meio de uma plataforma saudável e inclusiva”, afirma Galvão.

“Inclusiva” aqui é quase um eufemismo: o Ironman é para poucos; para quem tem foco, preparo, resiliência e fôlego para nadar, pedalar e correr um total de 226 quilômetros, como mostram a seguir quatro executivos ouvidos pelo NeoFeed.

É como eles dizem: seja na competição, seja no mundo corporativo, tudo se transforma quando se cruza a linha de chegada — de preferência, como vencedor.

Performance meritocrática

"Eu não entro apenas para competir ou para terminar, eu preciso vencer”, diz Pedro Cerize (Foto: Arquivo pessoal)

Pedro Cerize, de 55 anos, é referência no mercado financeiro brasileiro. Ao longo de sua trajetória, fundou sua própria gestora, a Skopos Investimentos, no início dos anos 2000, e fez parte do conselho de administração de gigantes como Porto Seguro, Vale Fertilizantes e Copel.

Sua história com o Ironman começou em 2015, depois de anos como maratonista. Já na primeira prova, conquistou a vitória em sua categoria de idade — mesmo tendo aprendido a nadar apenas para a competição, em quatro meses. Nesses dez anos, ele participou de 22 competições.

“Eu sempre entrei nos desafios para vencer. Eu não entro apenas para competir ou para terminar, eu preciso vencer”, diz Cerize.

“Assim como no mercado financeiro, os esportes cronometrados medem performance. Quem se dedica mais faz o trabalho melhor, tem resultados melhores, é simples. Para mim, é uma coisa muito meritocrática: você tem de dar tudo de você, não dá para levar no mais ou menos", complementa.

O Ironman lhe salvou a vida. Em 2024, ele notou que estava perdendo competitividade nas provas. Havia alguma coisa errada, mas os médicos não encontraram nada de anormal. Mas Cerize insistiu na tese da queda de rendimento. Exames mais sofisticados encontraram o motivo pelo qual ele não estava nadando, pedalando e correndo como de costume: uma obstrução na aorta que, não fosse a cirurgia, poderia ter sido fatal.

Hoje, para ele, o Ironman é um “simulador da vida” — os problemas que surgem a cada etapa precisam ser contornados com foco e agilidade para que se consiga seguir em frente.

“Bem ou mal, você precisa terminar e simplesmente não dá para planejar tudo. Isso cria muita resiliência para a vida”, define.

Um novo jeito de lidar com o tempo

“Com o Ironman, eu cheguei à conclusão de que posso fazer qualquer coisa”, comemora Roberto Fonseca (Foto: Arquivo pessoal)

Aos 50 anos, Roberto Fonseca conhece bem essa rotina. Por quase duas décadas ele trabalhou no Itaú, sendo os últimos quatro anos como superintendente, de onde saiu há quatro meses. Na instituição financeira, ele participou do desenvolvimento da Itaú Corretora e ajudou a criar a plataforma de investimentos Íon, entre outras ferramentas do banco.

Oito anos atrás, na efervescência dessas novidades, ele decidiu participar de seu primeiro Ironman — quer dizer, meio-Ironman, uma prova conhecida como 70.3, com metade das distâncias da original. Desde a faculdade, Fonseca já treinava triathlon, mas seria preciso aumentar o ritmo. E foi o que fez.

“Para conseguir casar as agendas de treinos, eu precisei me tornar muito mais produtivo: o tempo precisava ser tratado de forma diferente”, lembra. “Eu não tinha mais dez horas para trabalhar, porque eu queria gastar parte desse tempo treinando. Cumprir a rotina de trabalho em menos tempo foi um desafio.” Mas ele deu conta.

Em 2021, o executivo competiu em sua primeira prova completa. Ficou em segundo na sua categoria de idade e conquistou uma vaga para o mundial, realizado anualmente no Havaí, berço da competição. Lá nos Estados Unidos, terminou em quarto. Nos dois anos seguintes, Fonseca se sagrou vice-campeão do mundo.

“Com o Ironman, eu cheguei à conclusão de que posso fazer qualquer coisa”, diz ele. “A prova traz autoconfiança e a certeza de que, se você se dedicar, é possível chegar onde você quiser, seja no trabalho, na vida pessoal…”

O contrário também é verdadeiro. Muito do que Fonseca aprendeu ao longo de sua carreira profissional foi essencial para seu desempenho no Ironman. Ter aprendido a deixar o ruído do mercado de lado, por exemplo, foi fundamental para sua performance na competição: foco total naquilo que ele efetivamente podia controlar.

Desistir, jamais

"Foi quase como comandar uma empresa no Brasil: todo dia aparece um desafio que te faz pensar em desistir, mas mesmo assim você continua, ultrapassando todos os obstáculos", compara Carlos Martins (Foto: Arquivo pessoal)

O português Carlos Martins, de 52 anos, presidente da Roche Diagnóstica Brasil, é um novato no Ironman. Sua primeira prova foi este ano, na 70.3 Aracaju, realizada em 30 de novembro.

“Dirigir uma companhia grande é uma baita pressão, então é preciso ter alguma outra coisa além do desafio corporativo que, para mim, é o esporte”, diz o executivo.

Apesar de ter vasta experiência com ciclismo, seu maior desafio foi a pouca experiência com a natação - o que quase o tirou da última etapa do circuito, realizada na capital de Sergipe.

O mar estava a uma temperatura de impressionantes 28 graus. Por causa do calor, os competidores foram proibidos de usar a roupa de borracha, que facilita a impulsão dentro da água. Muitos desistiram.

“Eu pensei seriamente em desistir, mas tinham tantas pessoas torcendo por mim… amigos, colegas da empresa… eu precisava terminar”, conta Martins. “Foi quase como comandar uma empresa no Brasil: todo dia aparece um desafio que te faz pensar em desistir, mas mesmo assim você continua, ultrapassando todos os obstáculos.”

Disciplina sempre

"O que faz diferença é dar o primeiro passo e manter a disciplina ao longo do caminho”, ensina Ana Oliva Bologna (Foto: Arquivo pessoal)

Apesar do crescimento da presença feminina no Ironman, as mulheres ainda são minoria — 20%, em média. E isso, em grande parte, porque elas não têm ainda menos tempo disponível para os treinos do que os homens, afirma o CEO da competição.

Ana Oliva Bologna, de 44 anos, presidente do conselho do grupo Astra, é uma aguerrida histórica da competição. Esportista durante toda a vida, ela decidiu se dedicar ao Ironman em 2010, após se apaixonar pelo triathlon.

Em sua primeira prova já se classificou para o mundial, com patrocínios de peso em seu uniforme, como Oakley e Asics. No ano seguinte, bateu o recorde entre mulheres amadoras, mas uma fissura no calcâneo a tirou da disputa pelo título. Ficou o orgulho de ser a primeira brasileira a chegar tão longe.

No total, foram cinco Ironman concluídos pela empresária. Em 2012, um tombo de bicicleta e uma costela quebrada antes de embarcar para o Havaí a fizeram abandonar de vez as provas.

“Em seguida meu avô, fundador da Astra, adoeceu. E estas situações mudaram completamente meus planos. Assumi responsabilidades importantes no processo de sucessão e precisei virar a chave. Ainda participei de algumas provas depois disso, mas ali começou minha aposentadoria do alto rendimento”, conta Ana.

Para a executiva, uma grande lição foi aprender a vencer e a perder, tendo consciência de que nem a vitória nem a derrota duram para sempre.

“No ambiente corporativo acontece o mesmo. O que realmente faz diferença é dar o primeiro passo e manter a disciplina ao longo do caminho”, diz ela. “É isso que sustenta a jornada até qualquer objetivo, seja ele uma meta esportiva ou um resultado estratégico dentro da empresa.”