O mobiliário criado pela arquiteta italiana Lina Bo Bardi para uma residência projetada por Vilanova Artigas, em 1949, no bairro paulistano do Sumaré, sairá das sombras depois de décadas. As peças são tema do livro Lina Bo Bardi e Studio de Arte Palma e de uma exposição, a serem lançados simultaneamente, no fim de março, na Casa de Vidro.

Localizado no Morumbi e cartão postal da cidade, por décadas, o lugar serviu de residência para o casal Bardi. Pietro Maria e Lina Bo foram os responsáveis, respectivamente, pela idealização e pelo projeto do Museu de Arte de São Paulo (MASP). O que vem à luz com a exposição e o livro é a vanguarda do que havia no período em termos de arquitetura e design.

O mobiliário foi desenhado para a casa do médico Mário Bittencourt. Aficionado por arquitetura, ele convidara Artigas para desenhar um espaço meio futurista e transparente, inundado de claridade. Alguns anos atrás, a construção foi tombada pelo Patrimônio Histórico.

Convite aceito, o arquiteto sugeriu Lina Bo para desenhar os móveis. “A Casa Bittencourt foi o que houve de mais vanguardista na arquitetura e no design naquela época”, diz o arquiteto espanhol Lucas Jimeno Dualde, em conversa com o NeoFeed.

Nascido em Barcelona, mas há 12 anos vivendo no Brasil, foi ele quem descobriu o material, que agora vira exposição e livro. O projeto de resgate do material foi feito em parceria com Sergio Campos, diretor da Artemobilia Galeria e curador da exibição.

As 11 peças são únicas e estarão à venda –os preços estão em fase de definição. A ideia é mostrar o conjunto todo antes que elas se espalhem.

Na casa do caseiro

O encontro de Dualde com essas preciosidade foi por acaso. “Eu estava trabalhando no estúdio de um marceneiro, quando uma cadeira e uma mesa, empilhadas no canto, chamaram minha atenção”, lembra.

“São peças da Lina”, disse o marceneiro. “Da Lina Bo Bardi?”, perguntou o arquiteto. Sim! Dualde investigou e acabou descobrindo que “havia os móveis de uma casa inteira feitos por ela”, como conta, na casa do caseiro, de um sítio da família Bittencourt, a uma hora da capital paulista.

Ele e Campos foram ver o mobiliário. Perceberam que havia algo ali que era preciso dar a conhecer ao público. "Era uma coleção integral como raramente se vê. Passados mais de 70 anos, os móveis guardavam sua originalidade e ficou claro que a restauração deveria seguir critérios de respeito à verdade histórica de cada peça”, diz Sergio Campos, em uma entrevista para o livro Lina Bo Bardi e Studio de Arte Palma.

O conjunto de mesa e cadeiras de jantar foi o primeiro a ser encontrado por acaso pelo arquiteto Dualde (Foto: Divulgação)

Entre as peças há cadeiras, mesas, sofá, cama, um carrinho de chá, estante-bar. Foram oito anos de trabalho até chegar ao que se verá a partir de março.

Os primeiros dois anos foram gastos na restauração das peças. Os outros seis, em pesquisa: garimpar o material sobre Artigas, no arquivo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da Universidade de São Paulo – um prédio, aliás, desenhado por Artigas e um dos símbolos de sua obra.

Boa parte do tempo foi dedicada à recuperação da atividade do Studio de Arte Palma. Fundado por Pietro Maria Bardi, segundo ideia de Lina Bo, contou com a participação do Giancalo Palanti, também italiano e arquiteto, que chegou aqui na mesma época que o casal.

A atividade do Studio foi documentada pela revista Habitat, referência da cultura e arquitetura nos anos 1950 no Brasil e da qual Lina Bo participou nos primeiros 15  números como ilustradora, ensaísta e editora. Na Casa de Vidro, também foram encontrados desenhos e os primeiros orçamentos assinados por ela.

Exposição no MoMa

Campos é um dos principais estudiosos da obra de Lina Bo. No ano passado, lançou o primeiro volume sobre suas pesquisas: Lina Bo Bardi Designer, O Mobiliário dos Tempos Pioneiros 1947-1958, pela Artemobilia Publicações (R$ 380).

Entre as 11 peças, está o carrinho de chá (Foto: Divulgação)

O resgate do mobiliário da arquiteta é mais um elemento de valorização do design brasileiro, que coincide com a exposição “Crafting Modernity – Design in Latin America, 1940 – 1980”, no MoMa, o Museu de Arte Moderna, em Nova York, entre março e setembro deste ano.

O museu americano já tem em seu acervo a poltrona Bowl, projetada por Lina Bo em 1951, reeditada e copiada no mundo inteiro desde então.

Utópica, Lina Bo sempre foi. “Nós pensávamos em salvar o mundo com a arquitetura moderna e o design industrial. Não deu”, disse ela, em certa ocasião.

A epígrafe de Lina Bo Bardi e Studio de Arte Palma traz uma declaração de amor da arquiteta ao país que ela escolheu para viver.

“O Brasil, por exemplo o Nordeste, tem coisas maravilhosas de manualidades, todos os apetrechos, os instrumentos de trabalho dos pescadores do São Francisco são de um aprimoramento maravilhoso. Essa realidade é tão importante como a realidade da qual saiu Alvar Aalto [arquiteto finlandês] ou as tradições japonesas... Não no sentido folclórico, mas no sentido estrutural”.

O livro foi financiado por Dualde e Campos e pelas galerias Gomide e Luisa Strina. É encadernado com tecido e bilíngue (português/inglês). Uma publicação da editora espanhola This Side Up, custa R$ 250.