Entre as cerca de 700 mil obras de arte saqueadas pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, estava o quadro Retrato de Elisabeth Lederer, do pintor austríaco Gustav Klimt.
Devolvida à família do artista no fim dos anos 1940, na terça-feira, 18 de novembro, a obra se tornou a segunda mais cara já leiloada. A pintura foi adquirida por US$ 236,4 milhões em um evento realizado pela Sotheby’s em Nova York.
A obra foi disputada por cerca de 20 minutos por seis participantes. O dono do lance vencedor não foi revelado. A venda fez a tela de Klimt ultrapassar o retrato de Marilyn Monroe feito por Andy Warhol, apelidado de Shot Sage Blue Marilyn, criado em 1964. Em 2022, o quadro foi vendido na Christie's, também em Nova York, por US$ 195 milhões.
A obra só não ultrapassou a pintura Salvator Mundi, Leonardo da Vinci vendida em 2017 por US$ 450,3 milhões. Até o momento, o recorde para uma obra de Klimt em leilão era do quadro Dama com Leque (1917-1918). Em 2023, em Londres, foi arrematada por US$ 108,8 milhões.
Pintada entre 1914 e 1916, Retrato de Elisabeth Lederer tem quase dois metros de altura e retrata de forma complexa a jovem, filha única dos maiores mecenas de Klimt, August e Szerena Lederer, a segunda família mais rica de Viena na época.
Com fortuna formada por indústrias de destilação e amido, os Lederer ficaram conhecidos por manter uma coleção admirada no mercado de arte – que continha diversas obras de Klimt.
Nesse quadro em especial, Lederer foi retratada envolta em um manto imperial chinês com o bordado de um dragão, utilizado como símbolo de sensualidade e liberdade moderna, o que a transformou em um emblema da era de ouro da cultura dos vienenses.
Como em outras obras de Klimt, o tamanho da tela, as cores vibrantes e os abundantes detalhes decorativos contribuem para comunicar a aura da elite de Viena. Apesar de seguir seus padrões estéticos, para muitos, a obra foi até considerada pouco opulenta para a época.
“O Retrato de Elisabeth Lederer não apenas celebra a elite cultural e comercial de Viena, mas também oferece uma espécie de epitáfio involuntário para um mundo que em breve deixaria de existir”, escreve Stephen Dale, em artigo para a revista da Galeria Nacional do Canadá.
As palavras fazem sentido. Em 1936, seu pai, August, morreu. Dois anos depois, os nazistas invadiram a Áustria e confiscaram parte do patrimônio dos Lederer, deixando para trás apenas alguns dos retratos da família, que considerou “muito judeu para roubar”.
A pintura ficou perdida, junto com os tantos quadros roubados pelo grupo liderado por Adolf Hitler, até 1948, quando reapareceu e foi devolvida ao irmão de Klimt, Erich. Diz a lenda que, nesse período de dez anos, a tela quase se perdeu em um grande incêndio durante a guerra, o que não pode ser confirmado.
A tela permaneceu com a família do pintor até 1985, quando foi comprada por Leonard A. Lauder, herdeiro bilionário da fortuna da empresa francesa de cosméticos Estée Lauder. Por 40 anos, a pintura ficou distante do público. Porém, com a morte de Leonard em junho de 2025, a situação mudou.
Elisabeth fora das molduras
Durante a tomada da Áustria, Elisabeth se recusou a deixar o país junto com seus parentes. Em 1921, pouco tempo após a finalização da obra, ela se converteu ao protestantismo ao se casar com Wolfgang von Bachofen-Echt, herdeiro de uma cervejaria famosa na região. Foi apenas em 1934, após seu divórcio, que voltou a se considerar judia.
“Em cinco anos ela estava completamente sozinha em Viena: seu marido havia se divorciado dela, seu único filho havia morrido e sua mãe fora obrigada a fugir para Budapeste”, afirma Kirsten Appleyard, assistente de curadoria da Galeria Nacional do Canadá, no artigo de Dale.
Com medo da violência das forças do Führer, a moça passou então a dizer que era filha de Klimt, morto em 1918, vítima da gripe espanhola.
A reputação de mulherengo do artista, sua obsessão em pintar Elisabeth e o reconhecimento dela própria como escultora fizeram a história parecer verdadeira.
A mãe de Elisabeth, na tentativa de salvar a vida da filha, confirmou a sua versão e fez até uma declaração atestando a paternidade de Klimt. O plano funcionou. Em pouco tempo, os nazistas forneceram um documento à Elisabeth que comprovava sua ligação com o pintor.
O atestado permitiu que ela vivesse tranquilamente em Viena até o momento de sua morte, em 1944, aos 48 anos.
Tanto a vida de Elisabeth quanto seu retrato são, para muitos, símbolo de luta e resiliência.