Paris — Já que o ditado “melhor prevenir do que remediar” não foi levado em conta, as autoridades da França optaram pelo “antes tarde do que nunca” após o audacioso assalto de joias da coroa francesa no Louvre na semana passada. O governo pediu o reforço da segurança nos museus, além de auditorias nas instituições e listas de bens de grande valor dos acervos nacionais.

A facilidade com a qual os criminosos conseguiram, em apenas sete minutos, levar peças repletas de diamantes com grande importância histórica escancarou falhas na proteção do patrimônio cultural e também revelou que o aconteceu em Paris está longe de ser um fato isolado. Só no ano passado, foram 21 furtos em museus franceses — quase dois por mês, segundo o Ofício Central de Luta Contra o Tráfico de Bens Culturais.

Menos de 24 horas depois do “roubo do século” no Louvre, outro museu francês foi alvo de bandidos: foram levadas moedas de prata e de ouro da Maison des Lumières Denis Diderot em Langres, no leste do país.

A prefeitura da cidade, responsável pela instituição, não informou o número de peças furtadas. Elas integram um “tesouro” descoberto por acaso, durante obras no mesmo prédio, de mais de 1,6 mil moedas de prata e 319 de ouro que datam dos séculos 18 e 19. Bastou quebrar uma vitrine.

Há uma série de outros assaltos em museus franceses no último mês. Em meados de setembro, uma chinesa de 24 anos também não teve muito trabalho para entrar durante a madrugada no Museu de História Natural de Paris e levar cerca de seis quilos de ouro. Entre as pepitas furtadas, havia as presenteadas pelo czar Nicolau I da Rússia ao museu em 1833 e aquelas da época da corrida do ouro nos Estados Unidos, no século 19, além das que foram cedidas pela Bolívia à Academia de Ciências da França, no século 18.

Quando foi detida em Barcelona, no final do mesmo mês, a moça tinha somente um quilo de ouro já fundido. Entregue às autoridades francesas e indiciada na semana passada, a jovem precisou apenas saber manusear uma esmerilhadeira para arrombar uma das portas do museu durante a madrugada e um maçarico e serras para quebrar uma das vitrines da galeria de mineralogia.

Segundo as investigações, ela permaneceu por três horas no local. Foi uma faxineira quem deu o alerta no dia seguinte ao ver estilhaços de vidro no chão. O prejuízo é avaliado em € 1,5 milhão, mas a direção da instituição fala em “perda inestimável.” Os sistemas de alarme e câmeras de vigilância do museu não estariam funcionando por causa de um ataque cibernético sofrido no final de julho, disseram fontes policiais à agência AFP. O museu, porém, não confirmou esta informação.

Outro prejuízo considerável, estimado em €6,5 milhões, aconteceu também em setembro no museu nacional Adrien Dubouché de Limoges, uma referência em porcelanas. Os assaltantes neutralizaram o sistema de alarme e tinham alvos bem precisos. Eles levaram três peças qualificadas como “tesouros nacionais”: dois pratos chineses dos séculos 14 e 15 e um vaso de porcelana chinesa do século 18. Autoridades na área estimam que o assalto resultou da encomenda de um colecionador.

Como no caso do Louvre, a operação dos bandidos em Limoges foi rápida, apenas 12 minutos no total. O furto chocou a região porque o museu possui uma das mais valiosas coleções do mundo.

“Sabemos muito bem que há uma grande vulnerabilidade nos museus franceses”, reconheceu o ministro do Interior, Laurent Nuñez, após o roubo no Louvre, estimado em €88 milhões, além do prejuízo patrimonial histórico.

Cravada com 212 pérolas, 1.998 diamantes e 992 brilhantes lapidados em rosa, a tiara foi criada em 1853 pelo joalheiro parisiense Alexandre-Gabriel Lemonnier como presente de casamento para a imperatriz Eugênia de Montijo, esposa de Napoleão III. Símbolo do esplendor do Segundo Império, acabou sendo leiloada em 1870, após a queda do regime, para financiar o novo governo. Décadas mais tarde, integrou a coleção da família alemã Thurn und Taxis, até ser adquirida pela Sociedade dos Amigos do Louvre, em 1992 (Foto: louvre.fr)

Pertencente à imperatriz Eugênia de Montijo, esposa de Napoleão III, o broche em forma de laço é uma das joias mais emblemáticas da coleção imperial francesa. Criada por Alfred Bapst em 1855, a peça foi originalmente concebida como a fivela central de um cinto composto por mais de 4 mil diamantes, exibido na Exposição Universal de Paris daquele ano. Depois do evento, a imperatriz utilizou o conjunto em ocasiões significativas, como a recepção da Rainha Vitória naquele mesmo ano e o batismo de seu filho, o príncipe Luís Napoleão, em 1856. Em 1864, ela optou por desmontar o cinto, transformando o laço em um broche — composto por 2.438 diamantes e 196 brilhantes lapidados em rosa (Foto: louvre.fr)

Em março de 1810, ao casar-se com Maria Luísa da Áustria — irmã de Maria Leopoldina, futura imperatriz do Brasil —, Napoleão Bonaparte a presenteou com um conjunto de esmeraldas e diamantes criado por Marie-Étienne Nitot, joalheiro da corte. O colar reúne 32 esmeraldas colombianas e 1.138 diamantes, com destaque para uma pedra central de 13,75 quilates. As joias, que incluíam tiara e pente hoje perdidos, foram incorporadas ao acervo do Louvre após pertencerem à família imperial francesa (Foto: louvre.fr)

O broche "relicário" foi criado em 1855 por Alfred Bapst, joalheiro da coroa durante o Segundo Império Francês. A peça foi encomendada por Napoleão III para sua esposa, Eugênia de Montijo, e apresentada na Exposição Universal daquele ano em Paris, como uma obra-prima da joalheria francesa do século 19. Elaborado em ouro e prata, com 94 diamantes, seu design inclui uma roseta central formada por sete diamantes que circundam um solitário, com dois grandes diamantes nos ápices. Embora gravado com a palavra "relicário", o broche não contém uma relíquia física. Mas, como é facilmente desmontável, teria sido projetado para poder acomodar posteriormente um elemento intermediário destinado a conter uma relíquia (Foto: louvre.fr)

Criado entre 1820 e 1830, este conjunto de safiras do Sri Lanka, diamantes, ouro e prata pertenceu a duas rainhas: Hortênsia de Beauharnais, nora de Napoleão I, e Maria Amélia de Orléans, esposa de Luís Filipe I, o último rei dos franceses. Adquirido por ele em 1821 como presente à esposa, o conjunto reúne tiara, colar, brincos e broches em estilo neoclássico-romântico, somando 22 safiras e cerca de 2.860 diamantes. Em 1985, as joias foram incorporadas ao acervo do Louvre. Os ladrões levaram agora a tiara, o colar e o par de brincos (Foto: louvre.fr) 

Projetada por Gabriel Lemonnier, a pedido da imperatriz Eugênia de Montijo para a Exposição Universal de Paris, a coroa é feita de ouro cravejado de diamantes e esmeraldas, com motivos de águias e palmetas. Entre os itens roubados em 19 de outubro, a coroa foi encontrada no mesmo dia perto do museu (Foto: louvre.fr)

Os ladrões entraram no Louvre pela fachada às margens do rio Sena, com uma escada acoplada a um guindaste, estacionado ao lado do museu (Foto: Reprodução YouTube/France Bleu)

A rede de televisão francesa BFM TV divulgou imagens do momento em que um dos ladrões usa uma esmerilhadeira para abrir uma das cabines. do museu (Foto: Reprodução/YouTube BFM TV)

Nem o museu do ex-presidente Jacques Chirac, na cidade de Sarran, na região da Corrèze — em plena zona rural do centro-oeste do país — escapou da onda de roubos. Ele foi assaltado dois dias consecutivos, em 12 e 13 de outubro. Na primeira vez, os ladrões armados levaram o dinheiro do caixa e relógios de coleção. Eles foram detidos. Mas, no dia seguinte um grupo roubou joias e peças raras de relojoaria. A perda é estimada em mais de €1 milhão.

O gemólogo brasileiro Rafael Lupo Medina, que mora em Paris, conhece bem a galeria de Apolo do museu do Louvre, onde estavam as joias roubadas, e já visitou a Torre de Londres, onde são exibidas as peças da coroa britânica e o espaço no Kremlin, em Moscou, que reúne as usadas pelos czares russos.

Segundo ele, o esquema de segurança da galeria de Apolo é bem menor do que o desses outros dois locais. “Em Londres, você entra em um cofre-forte, sem janelas, e há uma esteira rolante em frente às vitrines de joias, o que impede de ficar parado na frente das peças”, diz ele, em conversa com o NeoFeed.

“No Kremlin, a visita do espaço de joias dos czares, também um local fechado como um cofre-forte, é com hora marcada e não é possível entrar com casaco, bolsa, telefones, apenas a roupa do corpo”, conta Lupo Medina.

Em uma sessão no Senado francês, a presidente do Louvre, Laurence des Cars, defendeu a ideia de instalar uma delegacia no museu. Ela diz que o sistema de segurança da galeria de Apolo funcionou, mas admitiu falhas, entre elas o número insuficiente de câmeras.  (Veja nas fotos acima as joias roubadas.)

A presidente alertou no início do ano sobre problemas na segurança do museu e de infraestruturas técnicas obsoletas.

Mas ela vem sendo criticada por causa da prioridade que daria para os gastos do orçamento depois que o jornal satírico Le Canard Enchainé  — conhecido por seus furos de reportagem que já derrubaram ministros —  revelou uma despesa de quase € 500 mil para reformar uma cozinha no prédio da instituição utilizada por ela e por membros de alto escalão do museu.

Na sexta-feira, 24 de outubro, a procuradora de Paris, Laure Beccuau, declarou que os autores do roubo do Louvre deixaram mais de 150 amostras de DNA. A análise desse material ainda está sendo feita e poderá abrir pistas se eles tiverem ficha criminal.

Ela diz ter “uma pequena esperança” de que por causa da repercussão internacional, os criminosos não se movimentem com as joias e que elas possam ser encontradas antes que as pedras sejam retiradas e os metais fundidos. Para citar outro dito popular, “a esperança é a última que morre”.