A bordo de um Tesla, circulando pelas ruas de Lisboa, Nelson Mota, o multitalentoso profissional da música, diz em uma entrevista para o empresário Pedro Sirotsky. “Eu quero ser um inspirator. Eu quero que meu trabalho inspire as pessoas. Como aconteceu com você”.
Caetano Veloso revelou a Sirotsky, por sua vez, que não tinha prazer na infância, e que já nasceu “querendo ser adulto”. Milton Nascimento expôs os episódios de racismo que sofreu tanto quando criança como em voos de primeira classe.
Ney Matogrosso relembrou a rejeição do pai quando contou ter nascido artista. Todas essas conversas com ícones da MPB de várias gerações integram a minissérie "Still Dreaming" que Sirotsky está preparando para lançamento em streaming no segundo semestre.
“São conversas sobre a existência. Não é sobre qual é sua música preferida. Eu quis humanizar estes artistas para o público. É um documento histórico, mas também sobre o presente e o futuro”, disse ao NeoFeed.
Há quatro anos ele caiu na estrada. Filho caçula de Maurício Sirotsky, fundador do grupo RBS, Pedrinho, como é conhecido, elegeu Luís Lima como seu representante no conselho de administração do grupo. E depois de 40 anos “hibernando” nos negócios da família, decidiu aos 63 anos que iria se dedicar a arte.
Ele busca incentivar as pessoas a não desistirem dos sonhos, como aconteceu com ele na juventude. Para isso, tem usado a música como fio condutor nessa jornada. "Still Dreaming" é um de seus projetos da nova fase e ele segue indo onde o artista está para reunir um dream team para a minissérie.
Além dos já citados Caetano, Ney Matogrosso, Milton Nascimento e Nelson Mota, dão seus depoimentos Gilberto Gil, Daniela Mercury, Lulu Santos, Marcos Valle, João Bosco, Arnaldo Antunes, Paulo Miklos, Paulo Ricardo, Sidney Magal.
Mas a lista "cresce organicamente". Para abril, por exemplo, está marcado o encontro com escritor Paulo Coelho e Sirotsky aguarda o sinal verde de Sérgio Mendes. “Gal e Erasmo também estavam previstos, mas não deu tempo.”
Sirosky trouxe também artistas de outras gerações como o rapper Rashid, o líder da banda Baiana System, Russo Passopusso, além de Hiram e Felipe Catto, por exemplo. Quem também não poderia faltar, diz ele, é Maria Rita, uma vez que ele foi amigo de sua mãe, Elis Regina.
Ele ainda promoveu na década de 80 o reencontro da cantora e seu pai, depois de 30 anos de desentendimentos. Seu pai fez o primeiro contrato profissional com Elis na rádio Gaúcha, mas por "atrasos em ensaios" da artista o clima azedou e eles romperam.
A minissérie é um desdobramento de seu documentário Mr. Dreamer, lançado em 2021 e disponível no Globoplay. Na época Sirotsky pretendia fazer uma minissérie entrevistando jovens músicos pelo mundo.
A pandemia pegou a equipe no meio do caminho e confinou o projeto a Dublin, mas mesmo assim a história dirigida por Flávia Moraes e roteirizada por Marcelo Ferla ganhou outra dimensão. Afinal, naquele momento de lockdown e milhares de mortes por covid-19, todos estavam buscando o sentido da vida.
O narrador em Mr. Dreamer é o próprio Sirotsky, que costura entrevistas com jovens idealistas de uma escola de música de Dublin, com sua história pessoal.
Ele resgata a importância da música em sua vida ao contar ter aberto mão aos 22 anos do programa que apresentava com grande sucesso na rádio Gaúcha e na tevê RBS no Rio Grande do Sul, o Transasom. O programa tinha em sua abertura a canção “Dreamer”, da banda britânica Supertramp. Daí veio o nome para o documentário.
“Até que um dia meu pai falou: tu vai ficar brincando de ser artista ou nos ajudar aqui? Eu não estava brincando. Estava fazendo exatamente o que eu gostava. Mas tinha 22 anos e não consegui me sobrepor a ele. Ele era um patriarca”, contou ao NeoFeed.
Naquela época, em plena década de 70, ele era uma celebridade com seus cabelos longos e “um programa de rock nos sábados à tarde. Foi uma quebra de paradigma. Muito antes de ter videoclipe ou MTV, por exemplo.”
Por conta do Transasom, que comandou dos 17 aos 22 anos, conheceu e se tornou amigo de talentos emergentes da música. Amizades que carregou pela vida toda e que estão expressas nas conversas de Still Dreaming. “Lulu Santos conheci quase como Luís Maurício”, brinca. “Ouvi a fita K7 demo de Tempo Modernos, no meu carro com ele, rodando por Canelas.”
Com Gilberto Gil, por exemplo, com quem já jogou futebol e viu um Grenal ( em que o Grêmio, seu time, quebrou o jejum com gol do baiano André Catimba, em 1977), viajou entre a Alemanha e Dinamarca no ônibus da turnê internacional da família no ano passado. “A relação entre eles é tão bacana que falei ‘quero ser dessa família’”.
Era de se imaginar que o período que teve de cuidar das rádios do grupo no Rio Grande do Sul e depois assumir toda a operação do grupo em Santa Catarina, tenha sido um martírio para o jovem que teve interrompido o sonho de ser um “comunicador da música”.
“Eu não sofri, não. Foi uma baita escola e uso o que aprendi nos meus projetos agora.” Além disso, ele diz que foi usando a criatividade de outras formas na vida corporativa. “Por exemplo, criei a rádio Planeta Atlândida, a primeira rede para o público jovem. Nos 15 anos que comandei o grupo em Santa Catarina, coloquei Florianópolis do mapa e trouxe shows internacionais para a cidade”. Entre eles, o de Rod Stewart, Eric Clapton, Paul McCartney.
Cair na estrada não foi, contudo, um ato destemperado e sem preparo. Em 2003, um ano antes de deixar o comando da RBS em Santa Catarina e assumir um lugar no conselho do grupo, ele ouviu de John Davies, consultor em sucessão familiar, que estava assessorando a empresa: “Vai ter a sexta-feira que vai ser a sua última como executivo. E quando chegar a segunda-feira? O que você vai fazer Pedro?”
Davies o orientou a participar durante dois meses em Harvard, do programa “Odissey: school for the second half of life”, ministrado por Shoshana Zuboff, que reunia pessoas do mundo todo em fase de encerramento de um ciclo da vida. “A gente desenha um plano de ação para os próximos anos e para mim apareceu o meu desejo de conexão com as artes. Aí eu comecei a tatear isso.”
Sirostsky abriu, então, uma editora de livros de luxo, com tiragem limitada, a Toriba. “Eu queria reproduzir a Taschen no Brasil. Fizemos o livro do Roberto Carlos, do Pelé, da Seleção Brasileira, do Corinthians.” Mas a crise de 2013 impactou o negócio. “O brasileiro de alto poder aquisitivo é muito paradoxal. Paga US$ 500 num vinho, mas acha muito pagar o mesmo por um livro.”
Até que em 2019, doou todas suas 200 gravatas, assumiu que queria mesmo voltar a viver no ambiente da música e partiu para o projeto do Mr. Dreamer. Por ter aspecto autobiográfico e de transformação, ele criou ainda o talk “Mr. Dreamer: o que você está fazendo com a sua vida?”, com apresentações em empresas.
“Eu gosto de contar uma história minha de guri”, diz. “Uma vez meu pai jogou um pedaço de pau para que um cachorrinho nosso buscasse. O graveto caiu num lago e o cachorro foi atrás. Só quando estava no meio do caminho, ele lembrou que não sabia nadar”. Pedrinho teve de resgatar o bicho para não morrer afogado.
“Às vezes pela pressão empresarial ou social de entregar, entregar, entregar, a gente sai nadando e nem sabe onde está. Entramos no piloto automático.”
Com esses trabalhos, diz ele “eu tento mostrar que não há idade para a transformação. Eu sei que sou um privilegiado e tenho uma vida completa. Quero inspirar as pessoas a ver que a felicidade também está em fazer, quando possível, aquilo que se gosta.”