A cantora Carminho, uma das divas da música portuguesa na atualidade, vai se apresentar no meio da mata em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, no Teatro Vermelhos.

Ela é conhecida do público brasileiro, já dividiu o palco com Chico Buarque e Gilberto Gil, e agora se junta a outras celebridades internacionais que exibiram seu talento no espaço de Ilhabel, a a exemplo do pianista Nelson Freire, do violoncelista Antonio Meneses, do multi-instrumentista e compositor Egberto Gismonti e de Ney Matogrosso.

O show da cantora portuguesa, que acontece em 2 de setembro, é mais uma das façanhas do advogado Samuel Mac Dowell, que criou o Instituto Baía dos Vermelhos com recursos próprios. Marca também um nova fase de sua empreitada iniciada em 2015.

O Instituto Vermelhos, complexo cultural que abriga três teatros é a aventura mais ousada de Mac Dowell, de 74 anos, pernambucano que ganhou destaque durante a ditadura militar quando advogou para viúvas de presos políticos que foram assassinados sob tortura no extinto DOI-Codi, em São Paulo.

Caso do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho. Foram ações que o advogado empreendeu gratuitamente, “pro bono”, como se diz na linguagem jurídica. "Era obrigação”, disse ele ao NeoFeed. Mais tarde, voltou ao noticiário por ter sido o último namorado de Elis Regina e o último a receber um telefonema da cantora, que morreu em 1982 por overdose. 

A aventura na Baía de Vermelhos rendeu ao advogado a alcunha de “Fitzcarraldo do litoral”, numa alusão ao filme “Fitzcarraldo", do cineasta alemão Werner Herzog, no qual um explorador irlandês sonha construir na selva do Peru um teatro para ópera. Mac Dowell diverte-se com a comparação, em entrevista ao NeoFeed.

“Pois é, a diferença é que o Fitzcarraldo não conseguiu, eu consegui. Na verdade, essa é uma ideia antiga. Como tenho casa na Ilhabela há muito tempo e convivo com as condições do lugar, tinha uma ideia vaga de fazer um teatro no mato”.

O Instituto Baía dos Vermelhos fica no meio da mata

Foi com essa finalidade que ele comprou um terreno de 150 mil m². Depois de passar anos com o projeto na mão sem conseguir qualquer apoio, decidiu financiar a obra com recursos próprios e até agora já investiu aproximadamente R$ 7,5 milhões em infraestrutura. O custeio anual para os seis festivais que já aconteceram, concertos de Ano-novo e manutenção, soma entre R$ 1,3 milhão e R$ 1,6 milhão. 

"Houve um momento em que percebi que o teatro não poderia ser apenas um teatro, mas uma espécie de centro cultural que tivesse uma atuação permanente”, explica. No Vermelhos há três espaços de apresentação. O Teatro Vermelhos, com 1,1 mil lugares, a Sala do Porão com 200 e o Anfiteatro da Floresta, ao ar livre, com 240.

O público é composto por residentes, por paulistas que têm casa na Ilhabela, de gente que vem das cidades próximas do litoral norte e por aquelas que vão especificamente em função da programação, o menor grupo. Os festivais mesclam música clássica, popular, street dance e outras modalidades.

Neste ano, Mac Dowell não realizou o festival e está testando um novo modelo com uma programação contínua durante o ano. É desse calendário que faz parte a cantora portuguesa. 

O Teatro Vermelhos tem capacidade para 1,1 mil pessoas

Talvez o modelo que mais se aproxime do Instituto Vermelhos seja o Teatro L’Occitane, em Trancoso, na Bahia, cuja programação estava a cargo de Sabine Lovatelli, do Mozarteum, que se afastou do projeto neste ano por não obter patrocínio para continuar da forma que achava desejável.

“A grande diferença é que em Trancoso foi um grupo de pessoas, com financiamento da L'Occitane. Aqui, um trabalho solitário. Claro que tive apoios importantes em alguns momentos.” Sem nenhum sócio, o advogado acredita que se tivesse algum, o projeto não existiria. “Ah, ele não ia deixar. Ia querer um business plan, ver qual seria a rentabilidade e aí acabou a ideia.”

E lembra que passou quatro ou cinco anos tentando reunir recursos. "Sabe o que é zero, zero? Foi o que consegui. Até posso entender. Era um projeto improvável num lugar que, inclusive, não tem tradição desse tipo de evento.” Mas o desafio se tornou uma ideia fixa e ele foi adiante por acreditar que era um projeto viável embora para muita gente pudesse soar como uma "trip alucinada".

“Não vejo assim, não. Primeiro: o investimento é um ativo real, está lá. Não queimei dinheiro em corridas de cavalo. As instalações estão construídas. Acredito firmemente na viabilidade financeira do Vermelhos. É claro que leva tempo."

Neste momento está buscando formas de viabilizar atividades com patrocínio, mas não depender exclusivamente disso. Outra frente do Instituto são as residências artísticas voltadas para qualquer atividade cultural, intelectual ou científica.

Já foram construídos 20 bangalôs com capacidade para duas ou três pessoas cada, que estão em fase final de acabamento. "Será um equipamento útil também pra quem se apresenta, porque resolve o problema da hotelaria com uma instalação própria.”

É de se perguntar se toda essa paixão pela música, em especial, despertou com o namoro com Elis Regina.  "Não necessariamente, porque vivenciei a música em casa, desde a infância. Antes de minha relação com a Elis tive muita atuação como advogado no meio artístico."

Ele trabalhava com direitos autorais, não apenas na música, mas no teatro. "Então é uma história que foi se desenvolvendo ao longo de muito tempo. Claro que meu relacionamento com a Elis veio dessa circunstância, mas a coisa já estava em andamento."

Hoje seu escritório atende grandes empresas, que ele não gosta de propagar. Quando se trata de arte, o seu protagonista é o "Fitzcarraldo brasileiro".