A Multi (ex-Multilaser) era conhecida por ser “a empresa que vende de tudo”. A fama não veio por acaso. Do foco inicial em cartuchos para impressoras, o grupo ampliou o leque para produtos como televisores, celulares, tablets, drones, patinetes, panelas elétricas, liquidificadores, brinquedos, linhas para pets e casas conectadas.
Essa tese de diversificação já chegou a somar 6 mil produtos no portfólio. E segue sendo a principal equação no modelo da Multi. Mas, agora, “acrescida” de um novo elemento: a orientação de que menos é mais.
“Estamos enxugando o portfólio de 5 mil para cerca de 3,5 mil produtos este ano”, diz Alexandre Ostrowiecki, CEO da Multi, ao NeoFeed. “A diferença entre o remédio e o veneno é a dose. A diversificação é boa para a Multi, mas, ao longo do tempo, pesamos a mão e passamos do ponto.”
A empresa já abandonou ou está a caminho de tirar das prateleiras linhas como smartphones de entrada, brinquedos para pets e acessórios esportivos. Em algumas categorias, a companhia não eliminou, mas reduziu bastante o portfólio.
“Com o passar do tempo, você lançava um produto em várias cores e diferentes modelos e, às vezes, no mesmo preço. Chegamos a ter, por exemplo, 80 modelos de mouse”, afirma Ostrowiecki. “Agora, a agenda é ter uma política comercial bem disciplinada e manter o preço de ponta muito organizado.”
A Multi está reduzindo um portfólio de 20 marcas próprias para nove bandeiras. Essa estratégia passa por nomes como a Power Tek, de nobreaks, cabos e baterias; a Keep, de acessórios para escritórios; e a Up Home, de utensílios domésticos leves, sem energia elétrica.
“Começamos a olhar para o que realmente contribuía e o que era um detrator. E esse um terço dos SKUs pesava menos de 10% no faturamento”, diz Ostrowiecki. “É uma dor de cabeça manter tantas marcas. Decidimos que era melhor focar nos 90% restantes do que atirar para todos os lados.”
Essa mira mais calibrada também passa pelo entendimento de que é preciso voltar aos produtos com uma pegada de tecnologia, um conceito que, segundo Ostrowiecki, a empresa “esticou um pouco” nos últimos anos.
As principais apostas, agora, estão em televisores, computadores e roteadores, os carros-chefes do portfólio. Mas há espaço para que outros negócios ganhem tração. É o caso da Watts, startup de motos elétricas comprada pelo grupo em 2022 e cuja fábrica está instalada em Manaus (AM).
Embora não revele o nome do parceiro, o CEO diz que a Multi vai anunciar em breve um acordo para produzir as motos de uma companhia asiática que está chegando ao País, numa estratégia para compartilhar os custos da unidade, ainda subutilizada, dado que a categoria ainda está em maturação.
Em outras parcerias, a empresa segue com sua tese original de se associar a outros players para oferecer produtos de perfil intermediário ou premium, diferente dos produtos de entrada que atende com suas marcas próprias.
A Multi, por exemplo, fechou acordos de distribuição exclusiva com a italiana Chicco, de linhas como carrinhos e cadeiras de alimentação para bebês, e com as americanas Precor e Freemotion, de equipamentos de ginástica destinados ao mercado B2B.
A empresa também firmou uma parceria para produzir e distribuir no Brasil os produtos da OPPO, marca chinesa de smartphones. Hoje, essa é a única oferta da Multi na categoria. O grupo descontinuou a linha de smartphones de entrada que mantinha com sua marca própria, agora restrita aos feature phones (aparelhos celulares básicos e sem acesso à internet).
Mesmo reduzindo seu portfólio, o CEO diz que o grupo ainda tem um mercado endereçável nada desprezível à frente. “Levando-se em conta TVs, smartphones e computadores, estamos falando de mais de R$ 100 bilhões”, afirma Ostrowiecki.
Da empolgação à maturidade
Dois fatores em particular impactaram os indicadores da Multi em 2023, quando a empresa reportou seu primeiro prejuízo em 15 anos, de R$ 836,2 milhões. Eles contribuíram para que grupo optasse por essa lógica de enxugar o portfólio e começasse a executar esse plano de forma mais acelerada em 2024.
O primeiro foi a migração do sistema de gestão (ERP). E o segundo, a liquidação de estoques de produtos encalhados da Covid-19, quando as vendas explodiram. De uma receita líquida de R$ 1,9 bilhão, em 2019, a Multi saltou para a casa de R$ 4,8 bilhões, em 2021.
“Veio uma certa empolgação. Vendíamos tudo e tínhamos uma fila de pedidos que chegou a R$ 900 milhões e seguimos comprando. Foi um erro estratégico”, diz Ostrowiecki. “Quando a demanda esfriou, estávamos comprados com estoques caros, dólar alto e foi um custo alto limpar isso no balanço.”
Ele ressalta que alguns dos reflexos da pandemia seguem impactando o mercado, como os fretes ainda caros. Mas prefere destacar outra herança do período. “Viramos adultos. Tivemos uma fase de muita exuberância de apostas para lá e para cá, mas a empresa amadureceu”, afirma Ostrowiecki. “Os indicadores estão longe de serem excelentes, mas estamos na direção certa.”
A Multi reportou um prejuízo líquido de R$ 52,2 milhões no segundo trimestre, contra uma perda de R$ 69 milhões, três meses antes. O Ebitda foi de R$ 29,8 milhões, ante o Ebitda negativo de R$ 27,3 milhões registrado entre janeiro e março deste ano.
A receita líquida caiu 10,6% em base anual, para R$ 884,9 milhões. Comparada ao primeiro trimestre de 2024, houve, porém, um salto de 21,1%. “Estamos faturando mais com menos produtos”, diz Ostrowiecki. “E fechamos com um caixa líquido de R$ 313,7 milhões, o que nos dá margem para voltar a investir.”
A XP ressaltou a melhora na rentabilidade, além de fatores como a redução de R$ 153 milhões em estoques, com o foco em produtos de menor risco. Mas manteve a recomendação neutra e o preço-alvo de R$ 2,10 para o papel, com ressalvas sobre questões como o recuo de 22% na margem bruta.
As ações da Multi encerraram o pregão da sexta-feira, 4 de outubro, com alta de 1,23%, cotadas a R$ 1,65. No ano, os papéis registram uma desvalorização de 21%, dando à empresa um valor de mercado de R$ 1,33 bilhão.