No princípio, era a palavra. E a palavra designava uma temperatura — nem quente, nem muito fria, agradavelmente fresca. Muito tempo se passou e a palavra passou a indicar também um estado de espírito marcado pela contenção emocional. Alguns séculos adiante, na década de 1940, os músicos negros americanos usaram a palavra tanto para descrever um novo estilo de jazz quanto para marcar, com firmeza e altivez, posição contra a opressão racial.

A partir daquele momento, a palavra foi adotada pela geração beatnik e seguiu em transformação… perdeu um tanto da rebeldia dos movimentos da contracultura, ganhou o mainstream… até chegar ao que hoje conhecemos como “cool” — o nosso “descolado”. Aspiração quase universal.

Quem não quer ser cool? Qual marca não gostaria de ser vista como descolada?

Há pelo menos 60 anos, os acadêmicos buscam entender o que torna alguém cool. Uma das pistas mais contundentes sobre o fenômeno acaba de ser publicada na revista científica Journal of Experimental Psychology: General.

No artigo Cool People, os pesquisadores Todd Pezzuti, Caleb Warren e Jinjie Chen trazem uma revelação surpreendente: do Chile à China, da Nigéria aos Estados Unidos, da Índia à Espanha, do México à Turquia, os descolados compartilham os mesmíssimos traços de personalidade.

Depois de ouvir cerca de 6 mil pessoas, de 12 países, o trio chegou à conclusão de que a personalidade cool, em qualquer parte do mundo, está associada a seis características.

Os descolados tendem a ser extrovertidos (sociáveis), hedonistas (buscam prazer e diversão), aventureiros (assumem riscos e experimentam coisas novas), abertos (são curiosos e estão dispostos a conhecer novidades), poderosos (têm influência e carisma) e independentes (levam a vida a seu modo e são autênticos).

“Existem diferenças culturais significativas entre os países. E esperávamos que essas diferenças definissem o que as pessoas consideram cool. Mas, em vez disso, encontramos um mesmo perfil psicológico em todos os países estudados”, diz Pezutti, líder do estudo e professor associado de marketing na Escola de Negócios da Universidade Adolfo Ibáñez, no Chile,  ao NeoFeed. “Esse nível de concordância foi inesperado e fascinante.”

Ser cool vai, portanto, muito além do estar ou não na moda. “As pessoas descoladas desempenham uma função específica: tendem a questionar como as coisas são feitas, ultrapassar limites, experimentar coisas novas e, assim, ajudar a promover mudanças culturais”, afirma.

E entender essa dinâmica, reforça ele, é fundamental para conectar e inspirar pessoas, seja por meio da educação, da liderança ou de uma marca.

Os brasileiros não estão entre os voluntários da pesquisa, mas Pezzuti se despede com simpatia: “Não coletamos dados do Brasil. Mas, pelo que sei sobre o Brasil, é uma cultura cool!”

Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista do pesquisador ao NeoFeed.

Por que estudar as pessoas descoladas?
Ser cool tem uma função social importante. As pessoas descoladas frequentemente ultrapassam limites e lançam novas ideias — na moda, na arte, na política ou na tecnologia. Elas inspiram outras pessoas e ajudam a moldar o que é visto como moderno, desejável ou inovador. Nesse sentido, ser cool pode funcionar como uma espécie de marcador de status cultural. Não se trata apenas de um estilo superficial. As pessoas descoladas desempenham uma função específica: tendem a questionar como as coisas são feitas, ultrapassar limites, experimentar coisas novas e, assim, ajudar a promover mudanças culturais.

A padronização das características que definem o cool decorre da globalização?
Embora a globalização tenha contribuído para um rótulo e uma imagem mais padronizados do que é ser descolado hoje em dia, o apelo subjacente de certos traços de personalidade parece ter persistido ao longo do tempo.

Pezzuti é professor de marketing na Universidade Adolfo Ibáñez, no Chile (Foto: Arquivo pessoal)

Quais?
Ao longo da história, as pessoas provavelmente incorporaram muitas das mesmas características que encontramos em nosso estudo, como ousadia, independência e magnetismo social — mesmo que essas características não fossem descritas da mesma forma ou agrupadas sob o termo "descolado".

Quando ser cool se tornou desejável?
Ser descolado provavelmente se tornou desejável muito antes de a palavra "cool" ser amplamente utilizada. As pessoas sempre admiraram aqueles que são confiantes, independentes e socialmente atraentes. Mas foi nas décadas de 1940 e 1950 que o cool se tornou uma identidade distinta e celebrada — especialmente por meio dos músicos de jazz, dos jovens da contracultura e, mais tarde, dos artistas de Hollywood. Essas figuras personificavam um tipo de desafio e originalidade sem esforço que repercutiam nas pessoas, especialmente em tempos de mudança social. Desde então, ser cool só cresceu em valor cultural.

As mídias sociais acentuam o desejo de ser descolado?
Com certeza. As mídias sociais expõem nossas vidas, o que naturalmente aumenta o desejo de ser visto como interessante, admirado e socialmente relevante — em outras palavras, de ser descolado. As pessoas selecionam suas postagens, looks, opiniões e até mesmo seus traços de personalidade para projetar uma determinada imagem online. Ser descolado é uma moeda universal, um marcador de influência e individualidade e um criador de tendências em todo o mundo — algo que gera curtidas, seguidores e atenção. As mídias sociais não criaram o desejo de ser descolado, mas definitivamente o amplificaram.

O reconhecimento de uma pessoa descolada é medido pelo número de seguidores e curtidas? Ou pelo saldo na conta bancária ou pelas roupas que ela usa?
Que ótima pergunta. Fazemos inferências sobre a personalidade das pessoas com base no que observamos. E a forma como uma pessoa expressa suas qualidades "descoladas" importa. Uma conta bancária recheada pode ser descolado para algumas pessoas, mas não para outras. O mesmo vale para seguidores, curtidas e roupas da moda. Mas ser descolado não tem necessariamente a ver com ser famoso ou rico. Tem a ver com como você vive.

Há descolados que não sabem que são descolados?
Alguns sabem, sim, mas não todos. O “ser descolado” está nos olhos de quem vê — e pode ser muito difícil saber o que os outros pensam de você.

Entre as seis características que definem uma pessoa descolada, a extroversão chama atenção. Trata-se de um traço de personalidade que costuma se manifestar de forma mais enérgica e exuberante — características opostas à contenção emocional que sempre esteve associada ao cool. Estou enganada?
Boa ideia. Essa foi uma das descobertas mais surpreendentes. Eu também não esperava que extroversão fosse algo descolado. Ser descolado tem sido associado, sim, à contenção emocional. Era assim nas décadas de 1940 e 1950. Mas, como mostram nossos dados, essa associação desapareceu. Pessoas descoladas agora são socialmente dinâmicas e agradáveis.

"Ser descolado é uma moeda universal, um marcador de influência e individualidade e um criador de tendências em todo o mundo"

Em sua opinião, as empresas exploram bem o conceito de cool?
A maneira mais fácil de uma marca se tornar descolada é associar-se a pessoas descoladas. É por isso que tantas empresas fazem parcerias com influenciadores, músicos ou atletas que incorporam traços como ousadia, independência e originalidade. Uma marca que fez isso excepcionalmente bem é a Nike. Ao longo dos anos, a companhia tem se alinhado consistentemente a figuras culturalmente influentes — como Michael Jordan, Serena Williams ou, mais recentemente, atletas que desafiam as normas sociais. A marca não vende apenas equipamentos de esporte; vende a ideia de que é possível ultrapassar limites e de que as pessoas podem fazer as coisas do jeito que quiserem. Isso é um acesso direto à psicologia do cool.

Na história da evolução da espécie humana, ser descolado trouxe alguma vantagem adaptativa?
Não creio que existam estudos sobre o tema. Pessoas descoladas têm qualidades desejáveis que poderiam torná-las parceiras mais atraentes, mas não sei se isso afetou nossa espécie. Sem dúvida, elas tiveram um enorme impacto no desenvolvimento e na direção da cultura.

Ser descolado é uma característica inata ou qualquer um pode se tornar cool?
As pessoas provavelmente podem tentar ser um pouco mais descoladas, mas há limites para o quão longe podem ir. Extroversão, abertura, autonomia e outras características tendem a ser características centrais da nossa personalidade e sistema de valores. E esses traços não são fáceis de mudar. No entanto, a tecnologia, como a internet e as mídias sociais, está facilitando a mudança de como as pessoas enxergam os outros.

Então, como nos tornarmos cool?
É simples: seja você mesmo. É fácil distinguir quem é autêntico e quem não é. Mesmo que não tenhamos estudado a autenticidade, não ser autêntico não é nada cool.