Silvio Santos é um caso único na história da TV mundial — afinal, nunca antes um dono de um canal de TV foi, ao mesmo tempo, a maior atração do seu próprio canal. Essa característica sempre estigmatizou o empresário/apresentador. Na verdade, Silvio Santos não era compreendido, uma vez que “antecipou” o futuro em meio século. Silvio fez com a TV o que hoje os influenciadores digitais fazem através da internet.
O maior “player” do YouTube da atualidade é MrBeast, com mais de uma centena de milhões de seguidores no mundo. Assim como Silvio, está construindo uma miríade de negócios em torno de sua imagem como Silvio sempre fez. Na década de 70, num único país, Silvio Santos engajou um número similar de seguidores.
Os desafios que, nos dias atuais, dificultam o investimento em um influenciador digital, por este ser uma pessoa que se confunde com seu próprio negócio, são exatamente os mesmos motivos pelos quais ninguém nunca conseguiu investir nos negócios de Silvio. Afinal, ele era parte intrínseca do produto, seja este produto um banco, rede de lojas, perfume ou programas de televisão.
Na mundo de hoje, essas figuras são menos raras, e surgem todos os dias, saindo do comércio e até entrando na política, com uma característica em comum: uma linguagem simples, que conecta com as pessoas simples, moldando o mundo atual a partir de uma lógica pessoal e particular.
Com inúmeras qualidades, Silvio foi, acima de tudo, um empresário que sempre colocou seu negócio, ou ele mesmo, em 1° lugar. Qualquer crítica à sua trajetória como empresário e comunicador é irrelevante — Silvio é uma unanimidade nacional. Tamanha é minha admiração pela sua trajetória que fui o único, no meu círculo de amizades, a assistir à série O Rei da TV.
Porém, quero chamar atenção para dois fatos que deixam claro que o empresário Silvio, ex-camelô de origem pobre, era capaz de “jogar o jogo” com a elite empresarial do seu tempo.
No início da década de 70, Silvio usava parte do seu programa dominical para falar da semana do Presidente e de seus ministros. Talvez não seja coincidência que, quando foi possível, Silvio recebeu concessões de TV da ditadura, feito esse que o tradicional Jornal do Brasil nunca conseguiu.
Uma frase de Silvio Santos, já dono de um canal de TV, retrata a visão que ele tinha sobre seu papel como dono de uma concessão pública de TV, que, pela Lei de Imprensa da época, só podia ser dirigida por brasileiros natos na pessoa física:
"Eu já dei ordens aos jornalistas da minha empresa para nunca criticar, só elogiar o governo. Se for para criticar, é melhor não falar nada. É melhor ficar omisso."
Silvio Santos (O Estado de São Paulo, 11/3/1985)
É evidente que isso se trata de um absurdo, pois o papel da imprensa consiste em vigiar, investigar e denunciar atos incorretos de governos.
Não deve ser pura coincidência que, na história do Brasil, Silvio Santos foi o único dono de banco que saiu ileso depois da quebra de uma instituição financeira. Quem teria coragem de assumir a falência do Banco do Silvio? Aparentemente, ninguém teve.
O Silvio que nos deixa trouxe alegria para milhões, entendeu a força do público feminino ao torná-las suas colegas de trabalho, fez do sorriso sua marca e soube, como ninguém, atingir o coração dos desvalidos. Autocrata na forma de gerir seus negócios, é considerado generoso pela grande maioria do seu time e do seu elenco de artistas.
Silvio Santos foi único no seu tempo, mas não conseguiu criar sucessores à altura para o SBT, porque talvez não seja possível criar sucessores na sua forma de ser. Será que os MrBeasts do momento serão capazes?
* Fersen Lambranho é chairman de GP investments e G2D investments.