Agora na estrada, o cantor, compositor e poeta Sylvio Fraga, tem motivos de sobra para apostar que 2023 será um grande ano. Na noite da sexta-feira (13), acompanhado de seu quarteto, Fraga subiu ao palco do Teatro Cambará Casa Rosa, em Salvador (BA), para dar início à turnê de divulgação do mais recente álbum de sua carreira, o elogiado Robalo Nenhum (2022). A série de shows também percorrerá outras três cidades do Nordeste – Maceió, João Pessoa e Olinda.
Neste novo ano, em que Sylvio Fraga celebra uma década de carreira desde o lançamento de Rosto (2013), o primeiro de seus quatro álbuns, as expectativas também são elevadas na Rocinante, gravadora e fábrica de LPs – o bom e velho disco de vinil – onde atua como diretor artístico. Fundada por ele no segundo semestre de 2019, ao lado do sócio Pepê Monnerat, diretor técnico do selo fonográfico, a empresa é sediada em Petrópolis (RJ) e tem capacidade de produzir 30 mil discos por mês.
Superado o impacto de dois anos de muita apreensão, período que impôs uma gestão mais contida por consequência da pandemia de Covid-19, a Rocinante, nome que presta homenagem ao cavalo do Dom Quixote de Miguel de Cervantes, enfim experimenta dias de autossuficiência com a crescente contratação de seus serviços de prensagem de LPs para outros selos, como a gravadora Biscoito Fino, e artistas consagrados, como Maria Bethânia e o grupo de rap Racionais MC’s.
“Hoje, a demanda é alta e o mercado está aquecido”, garante Fraga ao NeoFeed. “Até mesmo bandas não muito grandes estão fazendo seus LPs. Se o artista tem algum nível de fanbase, faz uma tiragem mínima de 300 cópias e vende os discos nos shows”, chancela.
Economia, música, poesia
Caçula de Armínio Fraga – sócio-fundador da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil, entre 1999 e 2002 –, Sylvio (36), no início da juventude, dava pistas de que seguiria a tradição familiar.
Embora tenha se graduado em Economia na PUC-RJ, mesma universidade onde seus pais se conheceram – sua mãe, Lucyna Fraga, também é economista – a vocação artística aflorada desde a infância e estimulada pelos pais naturalmente impôs uma guinada em sua vida logo.
“Tenho a lembrança de, com uns 4 anos de idade, ouvir no carro dos meus pais um CD do João Bosco, o Ao Vivo – 100ª Apresentação (1983), um disco de voz e violão. Lembro de escutar aquilo e entrar num transe, ter uma espécie de convulsão, uma epifania de amor pela música. Pouco depois tive vontade de aprender violão e comecei a tocar com 6 anos de idade, quando a gente morava em Nova Jersey”, recorda.
Dos 2 aos 13 anos, na companhia da irmã, Mariana, três anos mais velha do que ele, Fraga e a família residiram nos Estados Unidos, no período em que Armínio Fraga atuou no mercado financeiro nova-iorquino. No retorno ao Brasil, em 1999, momento em que seu pai aceita o convite para integrar a equipe econômica do segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ele intensifica suas experimentações com a poesia e a música e, saudoso de seu país de berço, também passa a reconstruir sua brasilidade.
“Logo que voltei descobri o Clube da Esquina (o clássico álbum de Milton Nascimento e Lô Borges, de 1972), uma grande revelação na minha vida. Também fiz um aprofundamento na obra de Tom Jobim, de Edu Lobo. Demorei a entender a genialidade absurda de caras como Djavan, Gilberto Gil, mas isso tudo foi vindo a partir desse retorno ao Brasil. A partir dos 15 anos, comecei a compor e a escrever poemas de uma maneira totalmente febril”, revela.
Sem jamais exercer profissionalmente o ofício de economista, em 2010, Fraga retornou aos Estados Unidos para fazer um mestrado em Poesia na New York University. Nesse ínterim de dois anos, lançou no Brasil, em 2011, seu primeiro livro, Entre Árvores (Editora Bem-Te-Vi).
As facetas do Sylvio Fraga poeta e músico foram respectivamente continuadas com os seguintes títulos: os livros Cardume (2015) e Quero-Quero na Várzea (2022); e os álbuns Cigarra no Trovão (2015) e Canção da Cabra (2019), obra que marca sua parceria com o maestro e arranjador baiano Letieres Leite, líder da Orkestra Rumpilezz, morto em outubro de 2021, aos 61 anos, e uma influência divisora na sua carreira de compositor e de produtor.
Diretor artístico e produtor
Cumprindo a meta de editar cinco álbuns por ano, a Rocinante lançou 15 títulos de, entre outros, Erika Ribeiro, Marcelo Galter, Thiago Amud, Ilessi e José Arimatéa, artistas contemporâneos que apontam novas direções para a música popular brasileira.
Fraga atuou também na coprodução de álbuns de grandes artistas como João Donato e Jards Macalé, que, em 2022, lançaram um álbum em parceria, Síntese do Lance, e Nelson Angelo, um dos mais requintados “sócios” do Clube da Esquina.
Ele emplacou também um álbum da Orkestra Rumpilezz, Moacir de Todos os Santos, em homenagem ao maestro Moacir Santos, com sete releituras de sua obra-prima, Coisas (1965), e um disco solo de Letieres, O Enigma Lexeu, ambos de 2019.
Se os ventos que movem os moinhos quixotescos da Rocinante sopram agora a todo vapor, as resoluções técnicas que hoje asseguram a excelência fabril dos LPs lançados pela jovem fábrica não passaram impunes por turbulências.
“Foram muitas experimentações até chegar ao disco vendável, que a gente considerasse perfeito. Tudo mérito do Pepê. Eu tocava o lado artístico, enquanto ele rodava a Europa e Estados Unidos para escolher a dedo nossos parceiros de corte e galvanoplastia (processos de manufatura da matriz dos LPs que posteriormente são prensados na fábrica da Rocinante).”
Ele conta que ficaram “muito amigos da equipe da Third Man Records, gravadora do Jack White (líder do duo White Stripes). Eles têm as mesmas prensas que a gente (fabricadas na Alemanha, pela Newbilt Machinery).” Um de seus funcionários fez um estágio lá, e “eles também vieram nos visitar para trocamos informação.”
Feliz com os avanços da Rocinante, Fraga, talvez recorrendo a seu lado economista, não perde de vista a prudência que consolidou os três primeiros anos da gravadora, um “sonho de vida”, como ele define.
“Brinco que o cavalinho Rocinante anda a passo porque não se atravessa um deserto a galope”. Segundo ele, estão “dando passinhos firmes” para se estabelecer como uma gravadora que tem processos cada vez mais eficientes e profissionais.
“Queremos continuar dessa maneira, explorando cada vez mais o Brasil, conhecendo novos artistas e levando com muito amor e carinho cada etapa de cada disco”, conclui.