Desde a segunda década do século 21, o ocidente vive um fenômeno crescente de avanços e recuos quanto às liberdades individuais e coletivas.
O florescimento da extrema direita e de um populismo autoritário, contrários aos direitos das minorias, alimentou questionamentos profundos sobre o real valor de algo que parecia ter se consolidado no decorrer dos dois últimos séculos: a democracia.
Depois de publicar O povo contra a democracia, um ano antes da pandemia, com uma análise sobre como podemos criar governos pelo voto popular estáveis e funcionais, o cientista político liberal americano nascido na Alemanha Ocidental Yascha Mounk lança este mês no Brasil O grande experimento: Porque as democracias diversificadas fracassam e como podem triunfar.
De forma didática e útil para introduzir e até aprofundar o leitor no tema, o autor cita uma série de exemplos dessas investidas travestidas de patriotismo e valorização da tradição religiosa, da moral familiar e da propriedade. Para Mounk, não é mais uma opção desistir das perspectivas de construção de democracias diversificadas justas e prósperas.
“Devemos esforçar-nos para concretizar uma visão mais ambiciosa para o futuro das nossas sociedades. A crise que ameaça as liberdades democráticas é um problema urgente e precisa ser resolvido”, escreve Mounk. E esse é o maior desafio do nosso tempo, defende.
Em síntese, ele quer dizer: faz-se indispensável combater as desigualdades, preconceitos e segregações, as chamadas “amargas divisões dentro de diversas democracias”. Só assim, em sua opinião, é possível manter as democracia estáveis e funcionais, além de resistentes a golpismos autoritários.
É preciso ser realista, diz Mounk, porque, nunca na história, uma democracia conseguiu ser diversa e igualitária ou tratou de forma justa os integrantes de grupos étnicos ou religiosos minoritários.
A questão é urgente e deve ser encarada em grande escala, como antídoto contra projetos de uma extrema direita autoritária. Alerta Mounk: “O mundo está em crise".
Da Rússia, Turquia e Egito aos Estados Unidos, populistas autoritários tomaram o poder. Os cidadãos estão perdendo a confiança nos sistemas políticos. E, com isso, a própria democracia corre perigo.
De um lado, o toma-lá-dá-cá tornou-se moeda de troca política e excluiu a população das tomadas de decisões fundamentais, criando um sistema de ‘direitos sem democracia’”.
O autor lista uma série de causas para a recente ascensão do populismo autoritário: uma raiva generalizada em relação à estagnação econômica e a ascensão das redes sociais, que ampliaram o público dos demagogos, disseminando mentiras e incitando o ódio.
No momento, afirma, estamos embarcando em um experimento historicamente único: transformar uma democracia monoétnica e monocultural em uma democracia multiétnica. Pode dar certo, acredita.
“Acho que vai. Mas, claro, isso também provoca muitas perturbações”, diz. Para ele, boa parte do mundo está entrando em um território inexplorado.
“Só um tipo de entidade política, nos longos anais da história humana, fez-se notória por sua inexistência: uma democracia que garantisse igualdade verdadeira a um conjunto altamente diversificado de cidadãos”.
"Crueldades indizíveis"
Mas, uma transformação está em curso, sinaliza Mounk. É precisamente essa sociedade que dúzias de países no mundo agora mesmo tentam (re)construir: “Esse é O Grande Experimento. Ele pode triunfar? A última década nos deixa tentados a responder que não”.
Um exemplo foi a eleição de Barak Obama, o primeiro negro a chegar à Casa Branca, com uma mensagem de esperança e mudança. Quando ele venceu, vários comentaristas declararam que o país se preparava para adentrar em um “futuro pós-racial”. Nos anos seguintes, porém, ficou claro que tais previsões eram lamentavelmente ingênuas. Para o autor, a Grande Recessão foi um duro golpe nas condições econômicas dos grupos minoritários.
Nesse sentido, a tecnologia chegou para mexer a ordem das peças no tabuleiro: “A disseminação dos celulares com câmeras de vídeo deu visibilidade à brutalidade policial contra afro-americanos. Inspiradas a refletir sobre suas próprias práticas, muitas pessoas e instituições que se orgulhavam de serem tolerantes começaram a reconhecer que muitas vezes elas também não correspondiam aos seus ideais”.
Depois, as más notícias ficaram ainda piores, prossegue Mounk: “Donald Trump se tornou o 45º presidente americano, com uma campanha em que menosprezava os grupos minoritários e questionava a legitimidade de seu predecessor. Populistas autoritários em algumas das democracias mais poderosas e populosas do mundo, do Brasil à Índia, causaram reveses semelhantes”.
O sucesso deles, acrescentou, “torna dolorosamente clara a dramaticidade do que está em jogo no grande experimento". Se as democracias diversificadas fracassarem, os membros mais vulneráveis estarão sujeitos às crueldades mais indizíveis — e mesmo aqueles que escaparem das piores injustiças por serem parte do grupo dominante correrão o risco de perder seus direitos democráticos”.
Para vencer os detratores, os que estão comprometidos com as democracias diversificadas devem adotar uma visão confiante de um futuro melhor. E seguir em frente.
Serviço:
O Grande Experimento
Porque as democracias diversificadas fracassam e como podem triunfar
Yascha Mounk
Companhia das Letras
422 páginas
Impresso: R$ 109,90
Digital: R$ 44,90