Vinte e um dias em uma semi-circunavegação da Terra, enfrentando tempestades e furacões, ladeando icebergs gigantes e alcançando algumas das ilhas mais remotas do Atlântico. Em 21 de novembro de 2023, o SH Diana zarpou da Cidade do Cabo, na África do Sul, com destino a Ushuaia, no extremo sul da Argentina.
Estava aberta a primeira temporada antártica do novo navio da Swan Hellenic Cruises, antiga armadora de origem inglesa, repaginada no finalzinho de 2021.
A bordo, 75 passageiros e uma relíquia: a Medalha Polar de Prata, concedida pelo governo britânico ao físico inglês Reginald James, morto em 1964, aos 73 anos.
James foi um dos tripulantes da Expedição Transantártica Imperial, liderada pelo lendário navegador irlandês Ernest Shackleton entre 1914 e 1916. A bordo do Endurance, o explorador desbravou o continente gelado em uma época conhecida como a Idade Heroica da Exploração da Antártida, do final do século 19 e início da década de 1920.
A peça era uma doação dos irmãos sul-africanos John e David, filhos de James, ao museu da Geórgia do Sul, um dos acervos mais completos sobre as grandes navegações antárticas. Avaliada em cerca de 45 mil libras (quase R$ 300 mil), a medalha chegou a seu destino final em 1º de dezembro.
Junto com dois livros da época do Endurance, também doados pelos irmãos James, a insígnia foi entregue ao museu pela tripulação do navio SH Diana, em uma cerimônia exclusiva para os passageiros, realizada na antiga igreja de madeira do povoado de Grytviken.
Mas não foi fácil chegar até lá. Desde a partida da Cidade do Cabo, o navio enfrentou intempéries, castigado frequentemente por ventos compatíveis com furacões de categoria 1, ondas de quase oito metros e tempestades violentas.
Alguns passageiros e tripulantes chegaram a se machucar; outros, acometidos por enjoos e mal-estar, mal saíram de suas cabines nos dias de navegação. Por segurança, os decks externos ficaram fechados boa parte do percurso.
Por causa das condições climáticas inclementes, o navio perdeu potência e velocidade e acabou sendo obrigado a enfrentar dois dias a mais de navegação do que o planejado - que se converteram em dois dias a menos na Antártica.
Tampouco o SH Diana conseguiu aportar na tão esperada Tristán da Cunha, a ilha habitada mais remota do mundo (localizada no meio do mar, entre a África e a América do Sul) e famosa colônia dos raros pinguins Rockhopper: o porto fechou devido às condições do mar.
"Quando navegamos o Atlântico de leste a oeste, as condições raramente são favoráveis, pois vamos contra a maioria dos ventos e correntes marítimas”, diz ao NeoFeed o finlandês Kai Ukkonen, capitão do SH Diana. “As travessias de oeste a leste costumam ser muito mais prazeirosas do ponto de vista turístico. Mas, dessa vez, as complicadas condições climáticas realmente nos surpreenderam."
Enfim, terra firme
Os passageiros só voltariam a pisar em terra firme duas semanas depois da partida do cruzeiro, já na Geórgia do Sul. A cerca de 1,5 mil quilômetros das Malvinas, o território ultramarino britânico já foi um importante polo da indústria baleeira e hoje é considerado um dos mais espetaculares e protegidos recantos de vida selvagem do planeta. Lá, os turistas caminharam entre focas e pinguins, fizeram tours em botes Zodiac e visitaram o túmulo de Shackleton.
Entre os oceanos Atlântico e Antártico, o SH Diana percorreu a chamada “alameda dos icebergs”, um trecho de mar repleto de icebergs - e navegou ao lado do D78, com seus quase dois mil quilômetros quadrados.
Depois, chegou à Ilha Elefante debaixo de muita neve e os passageiros puderam ver de perto o local de resgate dos sobreviventes do Endurance. O navio do explorador britânico ficou preso no gelo até afundar no Mar de Weddell em 1915. Shackleton e seus 27 tripulantes sobreviveram, resgatados, enfim, oito meses depois do naufrágio.
Na última semana da travessia, o SH Diana finalmente alcançou o continente antártico em dias cheios de aventuras em terra firme. Mas com algumas restrições: nesta temporada, a Antártida e a Geórgia do Sul estão enfrentando uma epidemia de gripe aviária, com regras muito mais rígidas e algumas localidades vetadas a visitação.
Como recompensa por tantos dias de adversidades em alto mar, a passagem do SH Diana pelo estreito de Drake, considerado o mais instável e potencialmente violento mar do planeta, foi tranquila no chamado “Drake Lake”: águas calmas e sensação de missão cumprida.
Em março, um outro navio da Swan Hellenic Cruises, o SH Vega, lançado em 2022, fará o mesmo percurso do SH Diana, mas em sentido inverso, de oeste a leste. Por valores a partir de US$ 21 mil, por pessoa.
Com capacidade para 192 passageiros, o SH Diana é o terceiro navio inaugurado pela Swan Hellenic em apenas dois anos de operação em sua nova fase. Projetado para explorar regiões remotas do globo, já nasceu com itinerários menos óbvios.
Antes da travessia atlântica, o navio singrou o Mediterrâneo, atravessou o Canal de Suez e explorou boa parte da costa leste africana. Entre os pontos visitados, alguns, como a ilha Socotra, no Iémen, recebiam pela primeira vez um navio de cruzeiro, fazendo jus ao slogan da companhia “veja o que os outros não veem".
Nova fase
No réveillon 2021/2022, a Swan Hellenic foi relançada ao mercado internacional como uma nova armadora, com novos sócios, sob o comando do CEO Andrea Zito, e então com apenas um navio de expedição, o SH Minerva. Hoje outros navios estão em operação (o SH Vega e o SH Diana), enquanto aguardam o processo de recompra do Minerva ser concluído.
Todas embarcações estão aptas para viagens polares, com comodidades de um hotel boutique e roteiros all-inclusive.
O começo das novas operações da marca coincidiu com a chegada da variante Ômicron e foi cheio de percalços. Mas, mesmo com boa parte da indústria de cruzeiros ainda paralisada na época, a armadora avançou e conseguiu operar uma temporada completa na Antártida.
Logo depois, porém, veio a invasão da Ucrânia pela Rússia e o SH Minerva foi retido no Uruguai sob embargo. Na época, a armadora era majoritariamente constituída por acionistas da Vodohod, maior empresa russa de cruzeiros fluviais.
Hoje, depois de romper com os investidores russos, a Swan Hellenic está livre para fazer negócios pelos sete mares. Com, espera-se, condições climáticas e mercadológicas mais favoráveis.