Cofundador e CEO da foodtech Typcal, Paulo Ibri chega animado para a conversa com o NeoFeed. Poucas horas antes, ele havia recebido a notícia de que a patente da tecnologia criada pela startup fora concedida. “Nós desenvolvemos o método de fermentação de micélio mais rápido do mundo”, comemora o empreendedor. “A gente consegue fazer o cultivo em apenas 24 horas, enquanto os maiores players do setor estão fazendo entre 48 a 72 horas.”

O registro chancela a empresa paulista como uma das mais inovadoras do ecossistema global de proteínas alternativas feitas de micélio — o emaranhado de filamentos de células responsável pela nutrição dos fungos, como os cogumelos, as trufas, os bolores e as leveduras, entre outros tantos organismos do Reino Fungi.

Batizadas de mush-based, elas têm alto valor nutritivo e baixo impacto ambiental, se comparadas a suas equivalentes de origem animal e vegetal.

Formado em marketing pela ESPM, em São Paulo, depois de passar pela Red Bull e pela Coca-Cola, em 2019, Ibri resolveu empreender. Escolheu navegar pelo universo das proteínas vegetais. Assim nasceu a 100 Foods. Mas logo bateu a frustração.

“Comecei a ficar preocupado com o caminho que os produtos plant-based estavam seguindo. Não tinham nada de clean label”, lembra ele. “A matéria-prima havia mudado, mas, no fundo, era mais do mesmo.” O empresário decidiu pivotar o negócio.

Foi quando Ibri conheceu Eduardo Sydney — engenheiro com PhD em biotecnologia, o atual CTO da startup é cofundador de outras duas startups também focadas em fungos, mas dedicadas a outras indústrias, como a da moda e a de embalagens.

Em 2021, a 100 Foods virou a Typcal e a dupla se lançou em um mercado em ebulição.

Graças aos progressos da ciência e dos métodos de produção, as proteínas mush-based fazem brilhar os olhos dos investidores de risco e chamam a atenção das grandes companhias alimentícias. Para se ter ideia, os novos ingredientes avançam em ritmo mais acelerado do que as alternativas em geral. E é fácil entender o porquê.

Em tempos de caos climático, crescimento exponencial da população e ameaça à segurança alimentar e nutricional, as micoproteínas (“mico”, do grego mykes, “fungos”) pertencem àquele conjunto de soluções capaz de aumentar a oferta de comida (de qualidade) sem a expansão das fronteiras agropecuárias.

Cerca de 80% das terras produtivas já estão em uso, com boa parte delas arrasada pela exploração intensiva. Ou seja, como está, é impossível continuar.

Menos espaço, água e CO²

Cultivado em grandes tonéis verticais, em ambiente hipercontrolado, 24 horas por dia, sete dias por semana, o micélio tem se revelado mais ecológico do que as fontes proteicas tradicionais.

Basta dar uma olhada nas projeções feitas pelo Laboratório de Sistemas de Produção Sustentáveis da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) para a Typcal. A foodtech tem o potencial de produzir 7 mil vezes mais proteína por metro quadrado do que a soja, por exemplo.

As vantagens também se estendem à pegada hídrica e às emissões de gases de efeito estufa. Em comparação às proteínas bovinas, ela consome 99,8% menos água e lança 98% menos carbono na atmosfera. Em relação ao frango, as reduções são de 99,5% e 88%, respectivamente. No que se refere à soja, de 96% e 45%.

Do ponto de vista ambiental, as micoproteínas podem ainda contribuir para a circularidade, um dos pilares fundamentais rumo a um futuro mais sustentável.

A Neutra Pro será lançada em pó (em cima) e fresca (Foto: Typcal)

Paulo Ibri e Eduardo Sydney lançaram a Typcal em 2021 (Foto: Guto Souza)

A proteína da foodtech paulista foi testada como "cereal matinal" (Foto: Guto Souza)

As mush-based podem servir à produção de carnes plant-based, como filé de frango (Foto: Guto Souza)

A proteína de micélio não altera as características sensoriais dos produtos aos quais é incorporada (Foto: Guto Souza)

O mícélio está para os fungos assim como as raízes estão para as plantas

Desde o ano passado, mediante uma parceria com a Ambev, a Typcal usa a levedura residual da fabricação de cerveja como ingrediente para a “sopa” que alimenta os fungos dentro dos biorreatores. Um destino mais nobre para cerca de 300 toneladas mensais de levedura que, de outra forma, iriam para o lixo.

Há de se considerar ainda o valor nutricional das proteínas mush-based. Elas reúnem o que suas contrapartes de origem animal e vegetal têm de melhor a oferecer. São ricas em fibras, vitaminas e minerais, com os nove aminoácidos essenciais.

Nutriente "discreto"

Pioneira na América Latina, sob o nome comercial de Neutra Pro, a proteína da Typcal está prevista para chegar ao mercado no início de 2026.

Nas versões em pó e fresco, o produto serve tanto à indústria alimentícia tradicional quanto à plant-based. De snacks a filé de frango, de almôndegas a massas, de cereais matinais a hambúrgueres. Tamanha versatilidade vem sobretudo de sua “discrição” — ele não altera as características sensoriais dos preparos.

“O micélio é a única proteína neutra comparada com qualquer outra do mercado — seja a soja, a ervilha, o grão de bico ou a lentilha”, diz Ibri. “Não tem cheiro, não tem sabor e não tem cor.” A equipe de P&D da Typcal já está trabalhando na versão concentrada da Neutra Pro — uma alternativa ao whey protein, feito a partir da proteína do soro do leite.

Não à toa, em 2025, pelo segundo ano consecutivo, a startup de Ibri e Sidney está na FoodTech 500, a lista das startups de maior impacto para a transformação dos sistemas agroalimentares.

Até agora, a Typcal já levantou R$ 10 milhões junto sobretudo a investidores anjo — entre eles, Bernardinho, duas vezes ouro olímpico à frente da seleção masculina de vôlei. Até dezembro, eles devem concluir as obras de expansão da fábrica da empresa em Curitiba. Ao custo de R$ 5 milhões, a unidade está planejada para produzir 5 toneladas de proteína por mês.

Os planos da dupla são ambiciosos. No primeiro ano de atividade, a expectativa é faturar R$ 5 milhões — e, no seguinte, decuplicar esse valor. Depois de participar de dois programas de aceleração na Suíça e na Bélgica, em 2023 e 2024, eles pretendem em breve levar a Typcal para a Europa.

Tem de ser acessível

Por mais saudáveis, sustentáveis e versáteis que sejam as proteínas mush-based, nada disso fará muito sentido se o novo ingrediente não for acessível.

“A gente não quer falar apenas com as classes mais altas, atender apenas 1% da população ou ser mais um produto de nicho”, garante Ibri. “Não é isso que vai causar o impacto que a gente sonha para a Typcal.”

O CEO volta a citar as 24 horas que a startup leva para produzir micélio ao explicar como o produto pode ser rapidamente escalável — uma facilidade poucas vezes vista entre outras fontes protéicas. E, como exemplo, ele recorre à proteína de ervilha, a mais usada pela indústria plant-based, há cerca de duas décadas.

“Vamos chegar ao mercado com o mesmo preço da ervilha. Em dois anos, a meta é se equiparar à proteína animal”, diz ele. “E, em dez anos, nossa meta é ser mais barato do que a soja.” Tem-se pressa. Apesar de termos saído do mapa da fome, 64 milhões de brasileiros seguem sem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente para uma vida saudável.