A cada quinze dias, Josefa Umbelina da Silva, moradora do Núcleo Missionários, comunidade carente de Santo André, no ABC paulista, leva para casa um quilo de frutas e legumes, além de uma hortaliça. O preço da comida? Cinco quilos de resíduos recicláveis.
“Esses alimentos hoje fazem muita diferença na minha vida, ainda mais agora que os preços subiram”, diz ela, em conversa com o NeoFeed. “Eu separo os materiais em casa e recolho os que encontro na rua.”
Josefa é uma das beneficiárias do Moeda Verde, programa que já intermediou a troca 368 toneladas de vegetais por 1,8 mil toneladas de papelão, latas de alumínio e garrafas PET, entre outros itens. Desde seu lançamento, em novembro de 2017, já beneficiou 30 mil pessoas. Só em 2024 foram 7,6 mil.
Projeto da prefeitura de Santo André, o Moeda Verde está em 31 favelas da cidade, onde moram 60% das famílias cujas rendas não ultrapassam meio salário-mínimo — ou, seja, estão abaixo da linha de pobreza, pelos parâmetros do Banco Mundial.
“A iniciativa surgiu da necessidade de reduzir a insegurança alimentar e ainda diminuir os gastos do poder público com a coleta dos recicláveis”, diz Gilvan Júnior, prefeito de Santo André, em entrevista ao NeoFeed. “É um ciclo completo, com uma ação social associada à uma prática ambiental.”
O engajamento dos moradores de Santo André foi fundamental para o sucesso do programa. O desafio inicial se concentrou no trabalho de convencimento sobre a importância da adoção de novos comportamentos, sobretudo em relação ao que era tido como lixo, como conta Gilvan.
A partir do momento em que a população percebeu que os itens recicláveis poderiam se converter em comida, a proposta foi amplamente aceita. Com isso, a prefeitura conseguiu acabar com cincos grandes pontos de descarte irregular e ainda economizar, anualmente, R$ 1 milhão — dinheiro gasto com a coleta dos resíduos.
O município não gasta nada com as frutas, legumes e hortaliças, que são doados pela iniciativa privada ao Banco de Alimentos da cidade. Dos supermercados vêm produtos prestes a expirar, mas em perfeitas condições de consumo.
Assim, o Moeda Verde contempla, no mínimo, dois dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas. Em setembro de 2015, os 193 países membros da ONU, entre os quais o Brasil, concordaram em cumprir uma série de metas, até 2030, rumo a um futuro mais próspero, inclusivo e equânime.
A iniciativa de Santo André vai em direção aos ODS 2 e 12. O primeiro propõe acabar com a fome e garantir o acesso a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano.
E o 12 visa a garantir padrões de produção e consumo sustentáveis: evitar o desperdício de alimentos e gerir os resíduos de forma ambientalmente saudáveis para o planeta (e a humanidade).
Não à toa o Moeda Verde virou referência e, em 2024, chegou a ser apresentado como exemplo de iniciativa de impacto, facilmente replicável em diferentes cidades e realidades, durante a 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 29), realizada no Azerbaijão.
O projeto de Santo André inspirou iniciativas semelhantes em outras cidades paulistas, como Amparo, Itapetininga, Leme e São Carlos; no Rio de Janeiro, e em Parauapebas, no Pará.
Mas o prefeito Gilvan quer ir além e, até o final de 2028, levar o “escambo” de materiais recicláveis por comida a um total de 50 comunidades do município, o que dobrará o número de beneficiados.