A conta só faz crescer. A cada dois segundos, soma-se, em média, US$ 1 milhão. De 30 em 30 horas, tem-se dinheiro o suficiente para imunizar todo o mundo (literalmente) contra a covid-19. E, no período de seis dias, junta-se o equivalente à fortuna de Elon Musk. Neste momento, o total está quase em US$ 138,25 trilhões… and counting.
Assim corre, em ritmo acelerado, o contador da Food System Economics Commission (FSEC), sobre os “custos ocultos” dos sistemas agroalimentares, acumulados desde a entrada em vigor do Acordo de Paris, em 2016. Ainda que não entrem (diretamente) na composição de preço dos alimentos, eles estão lá, minando as riquezas globais — ao invés de contribuir para a prosperidade da humanidade e do planeta.
Invisíveis, desperdiçam, no mínimo, US$ 10 trilhões por ano — ou mais de 10% do PIB mundial. São recursos perdidos com as doenças associadas à escassez de comida ou à má alimentação. Com as emissões de gases de efeito estufa, o mau uso da terra e a exploração intensiva dos recursos naturais. E com a perpetuação da pobreza e da desigualdade.
“A evolução recente dos sistemas agroalimentares fomentou — e continua a inflamar — alguns dos maiores e mais graves desafios que a humanidade enfrenta; notadamente a fome persistente, a desnutrição, a epidemia de obesidade, a perda de biodiversidade, os prejuízos ambientais e as mudanças climáticas”, escrevem os pesquisadores da comissão, no relatório The Economics of the Food System Transformation.
Em resumo, a forma como produzimos nossos alimentos e como nos alimentamos está “hipotecando nosso futuro”, diz Ottmar Edenhofer, copresidente da FSEC, em comunicado. Lançada em 2024, a comissão é uma aliança acadêmica global, composta por especialistas em economia climática, saúde, nutrição, agricultura e recursos naturais de 25 instituições.
Liderado pelo Institute of Climate Impact Research, da Alemanha, e pela Food and Land Use Coalition, da Inglaterra, o estudo da comissão mostra: a transição para modelos agroalimentares mais saudáveis, sustentáveis e inclusivos poderia somar de US$ 5 trilhões a US$ 10 trilhões, por ano, ao PIB mundial — valores semelhantes aos apontados no documento The State of Food and Agriculture 2023, da FAO, a agência da ONU para alimentação e agricultura.
Para tanto, é preciso investir de US$ 200 bilhões a US$ 500 bilhões anuais, até 2050, na transformação dos sistemas atuais. Esse dinheiro cobriria melhorias da infraestrutura rural, com foco nas práticas regenerativas; a proteção e a restauração de florestas; a redução da perda e do desperdício de alimentos; os programas de estímulo a dietas saudáveis e os trabalhos de pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias agrícolas.
“Os custos estimados da transformação do sistema alimentar global são baixos [0,2% e 0,4% do PIB global por ano], quando comparados a seus benefícios econômicos”, lê-se no documento da comissão.
Luz no fim do túnel
Atingidos, porém, os objetivos, o futuro traçado em The Economics of the Food System Transformation é dos mais promissores. A seguir, o NeoFeed elenca os principais benefícios da remodelagem dos sistemas agroalimentares atuais:
→ Garantia da segurança alimentar e nutricional global — Ao facilitar o acesso regular à comida de qualidade, os novos modelos poderiam erradicar a desnutrição nos próximos 25 anos. Pelos dados da ONU, 2,3 bilhões de pessoas hoje no mundo vivem em insegurança alimentar moderada ou grave. E 733 milhões passam fome.
→ Redução na incidência das doenças crônicas não transmissíveis — A adoção de uma alimentação mais equilibrada, com a diminuição no consumo de alimentos ultraprocessados, pode evitar 174 milhões de mortes prematuras, até 2050.
→ Aumento da produtividade agrícola — Com a adoção de práticas regenerativas, mais resilientes aos eventos climáticos,as lavouras produzem mais e, consequentemente, proporcionam mais renda, sobretudo, aos pequenos agricultores.
→ Preservação ambiental — A mudança para uma produção ambientalmente responsável teria o potencial de reverter a perda de biodiversidade e reduzir a demanda por água. E mais. Os sistemas agroalimentares poderiam remover os gases de efeito estufa (GEE) da atmosfera, em vez de emiti-los. Isso manteria o aquecimento global bem abaixo de 1,5°C até o final do século, como acordado em Paris.
Se hoje a produção de alimentos responde por um terço das emissões de carbono, por 70% da perda de água doce e pela degradação de 80% do solo disponível para a agropecuária, no passado, quando seus preceitos foram definidos, ela cumpriu seu papel.
No início dos anos 1960, a Revolução Verde, com seus fertilizantes e defensivos químicos, sementes geneticamente modificadas e monoculturas a perder de vista, alimentou boa parte do um terço da população global que, do fim da Segunda Guerra Mundial até aquele momento, passava fome.
A desnutrição e a pobreza reduziram, enquanto a expectativa de vida aumentou. Tanto que seu idealizador, o agrônomo americano Norman Ernest Borlaug, ganhou o prêmio Nobel da Paz em 1970.
Agora, porém, a agropecuária intensiva cobra seu preço.
Como costuma dizer Johan Rockström, do Potsdam Institute e um dos autores do estudo da FSEC: “Os sistemas alimentares globais têm o futuro da humanidade em suas mãos”.
É chegada a hora de uma nova revolução. Tão radical quanto foi a de Borlaug, mas dentro dos limites planetários.