Cultivados de forma social e ambientalmente responsável, os animais marinhos e os vegetais tolerantes ao sal são tidos como estratégias das mais promissoras para aliviar a pressão sobre as fazendas e os reservatórios de água doce. Dois empreendedores canadenses, no entanto, estão certos de que os oceanos têm muito mais a oferecer. Podem servir de campo para a plantação de espécies agrícolas terrestres.
Para tanto, os biocientistas Luke Young e Rory Hornby contam com a ajuda da engenharia genética. Nos laboratórios da startup Alora, fundada em 2019, eles “ativam” a resistência à salinidade de plantas que, naturalmente, não sobreviveriam em ambientes salgados. Escolheram trabalhar primeiro na criação de um arroz “salt-friendly”.
Cultura básica para metade da população global (ou 3,9 bilhões de pessoas), o cereal é extremamente sensível ao sal. Ao levar o cultivo de arroz para o mar, Young e Hornby pretendem não só ajudar a aumentar a produção agrícola como também torná-la mais sustentável. Em meio salino, a maioria das bactérias, responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa, não sobrevive.
Como a Alora, outras startups também estão envolvidas no desenvolvimentos de arrozes mais tolerantes ao sal. Mas a empresa canadense alcançou níveis de tolerância mais altos graças ao uso da tecnologia CRISPR.
Desenvolvida em 2012 e conhecida popularmente como “tesoura genética”, a ferramenta permite a edição de trechos específicos da fita de DNA. A técnica rendeu a suas criadoras, a geneticista francesa Emmanuelle Charpentier e a bioquímica americana Jennifer Doudna, o prêmio Nobel de Química de 2020.
Editadas geneticamente, as plantas da Alora suportaram uma concentração de até 16 gramas de cloreto de sódio por litro de água. Agora, eles trabalham em arrozes ainda mais resistentes. Até o final do ano, os sócios pretendem chegar a plantas que vinguem em soluções com 28 a 32 gramas, equivalentes à salinidade da água do mar.
Para chegar a esse resultado, Young e Hornby descobriram que o arroz possui oito genes comuns a espécies adaptadas à vida salgada, como as halófitas. No cereal, entretanto, essas chaves estão desligadas – afinal, ao longo da evolução, nunca precisaram ser “ativadas”. Até agora.
Com a urgência da crise climática e de uma população em crescimento acelerado, é preciso dar uma mãozinha à natureza. A equipe da Alora faz isso “despertando” aquele trecho do DNA do arroz associado à tolerância ao sal.
Castigadas pelo mau uso, as terras aráveis estão em processo de desertificação e, consequentemente, de salinização. Além disso, por causa do aquecimento global, o nível do mar começa a subir, contaminando os lençóis freáticos e salgando o solo. Ainda que Young e Hornby mirem a agricultura oceânica, culturas mais resistentes ao sal podem ser também uma opção de cultivo em terra firme.
Desde o ano passado, a Alora está com um projeto-piloto em Cingapura, com o cultivo diretamente na superfície do oceano Índico. A expectativa é a de que a fazenda entre em operação comercial em um ano. Até 2026, a ideia é cultivar o arroz oceânico nos Estados Unidos, Quênia, Namíbia, Madagascar, Índia e alguns países da América do Sul. O Brasil está nos planos de Young e Hornby.
Mesmo com as experiências ainda em andamento, a Alora tem chamado a atenção dos investidores de risco. Desde sua fundação, já levantou quase US$ 4 milhões, informa a plataforma Crunchbase. Entre os que apostam no arroz “salt-friendly” da startup estão, Toyota Ventures, Sustainable Oceans Alliance e Mistletoe.