Muito se exalta a grandiosidade dos biomas brasileiros, a exuberância de sua fauna e flora. Mas existe um ecossistema cuja riqueza é invisível a olhos nus. Nossos solos guardam uma das maiores biodiversidade do planeta. Dentro da terra, proliferam micróbios essenciais à sobrevivência de plantas e animais, inclusive a espécie humana.

Com um artigo publicado recentemente na revista científica americana ISME Journal, referência em ecologia de microorganismos, o biólogo paulista Antônio Pedro Camargo, de 29 anos, acrescentou 522 tipos inéditos de bactérias ao já vastíssimo inventário nacional de micróbios do solo.

A descoberta do jovem cientista abre uma nova frente para o desenvolvimento de biofertlizantes, em especial daqueles à base de fósforo. O mineral é um dos três macronutrientes mais utilizados nas lavouras do mundo inteiro. O composto é imprescindível para o desenvolvimento das plantas, ao participar, por exemplo, do processo de armazenamento e transferência de energia.

O fósforo, porém, é um recurso escasso e finito. Seu pico deve ocorrer em 2030 e, nos próximos 50 a 100 anos, suas reservas se esgotarão, estimam os estudiosos. É urgente, portanto, encontrar novas fontes do elemento químico, para garantir a produção global de fertilizantes e, consequentemente, a saúde das lavouras.

No Brasil, o cenário é bastante delicado. Quarto consumidor mundial de insumos para adubar as plantações, atrás apenas da China, Índia e Estados Unidos, o país importa 55% dos fertilizantes fosfatados. O produto vem, sobretudo, das minas do Marrocos, mas também da Rússia, Egito, China e Estados Unidos.

O risco imposto pela dependência externa ficou ainda mais evidente com a crise deflagrada pela invasão da Ucrânia pela Rússia. O país liderado por Vladimir Putin é um dos maiores exportadores mundiais de NPK – fertilizantes nitrogenados (N), fosfatados (P) e os de potássio (K). Com as sanções impostas aos russos, sob risco de desabastecimento, os preços foram às alturas.

Disposto a contribuir para autossuficiência do país, com soluções baseadas na biodiversidade brasileira, Camargo decidiu dedicar seu doutorado no Instituto de Biologia, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), à investigação de como as plantas usam o fósforo disponível na natureza para se desenvolver.

E não havia melhor lugar para isso do que os Campos Rupestres, na porção central do Brasil, especialmente em Minas Gerais. “Ao mesmo tempo em que o solo desse ecossistema é o mais pobre em fósforo do mundo, o ambiente abriga uma grande diversidade vegetal, com espécies que só existem lá”, conta o biólogo.

Um detalhe: a região tem pouco fósforo e o pouco que tem, como lembra Camargo, não é absorvido pelas plantas. O que garante, então, o crescimento e desenvolvimento das plantas?

Os Campos Rupestres, na porção central do Brasil, especialmente em Minas Gerais.

Entre 2018 e 2021, Camargo perdeu as contas de quantas vezes saiu de Campinas, sua cidade natal, para cavoucar a terra do Parque Nacional da Serra do Cipó, no interior mineiro. Foi lá que, grudadas nas raízes das plantas Vellozia epidendroides e Barbacenia macranta, o pesquisador encontrou as novas bactérias.

Em laboratório, ao decifrar o genoma dos microrganismos, Camargo viu que as plantas dos Campos Rupestres florescem graças a micróbios altamente especializados em converter fósforo em fosfato, a versão do mineral absorvível pelas espécies vegetais. Em uma relação de mutualismo, as bactérias nutrem as plantas e as plantas secretam um muco, que alimenta os microrganismos.

Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o estudo de Camargo contou com a participação de outros nove cientistas e foi desenvolvido no âmbito do Centro de Pesquisa em Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas (GCCRC, na sigla em inglês), formado pela Fapesp e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), na Unicamp.

O próximo passo é transformar as novas bactérias em biofertilizantes. O segundo autor do artigo publicado na ISME Journal, o pesquisador Rafael Souza é cofundador da Symbiomics, startup focada no desenvolvimento de biológicos de nova geração.

O mercado está em expansão. Pelos cálculos da Research and Markets, até 2026, os insumos biológicos devem movimentar US$ 18,5 bilhões, globalmente. No ano passado foram US$ 10,6 bilhões. Esses produtos apresentam uma taxa de crescimento médio três vezes mais alta do que a registrada pelos sintéticos – 11,9% contra 3,7%.

O potencial do mercado brasileiro é ainda maior. Os bioinsumos representam apenas 3% do total usado pelos agricultores na nutrição e proteção de suas lavouras. Na safra de 2020/2021, o setor atingiu R$ 1,7 bilhão, aumento de 37% em relação ao ciclo anterior. Os defensivos químicos, por sua vez, giraram R$ 52 bilhões, alta de 15%, segundo a Business Intelligence Panel.