A eructação (popularmente chamada de arroto) de um bilhão de vacas e bois tem impacto climático equivalente ao de toda a frota de veículos de passageiros em circulação no mundo. Apenas o rebanho global de bovinos responde por cerca de 35% do total de metano lançado anualmente na atmosfera.
Se consideradas também as criações de ovinos e caprinos, os riscos ao meio ambiente são ainda maiores. Produto da digestão dos ruminantes, o gás de efeito estufa chega a ser 28 vezes mais potente para o aquecimento global do que o dióxido de carbono - embora seja emitido em menor quantidade do que o CO².
Frente à crise climática e à urgência alimentar de uma população em crescimento acelerado (seremos 10 bilhões, em 2050), a busca por inovações que tornem os arrotos dos ruminantes mais “eco friendly” mobiliza esforços no mundo todo.
A biotech australiana Number 8 Bio acaba de ser recompensada por seu empenho nessa luta. Fundada em 2022, em Sydney, levantou US$ 1,2 milhão, em uma rodada seed, liderada pelos fundos Main Sequence, Possible Ventures, UNSW Founders e Bioplatforms Australia.
Como a maioria das startups do setor, a Number 8 trabalha com algas para produzir aditivos alimentares para reduzir a formação de metano no estômago dos bovinos, caprinos e ovinos.
Mas, diferente de grande parte de seus concorrentes, a empresa de Sydney não cultiva as plantas marinhas – o que exige tempo (4 meses, em média, para a colheita) e espaço (grandes tanques de criação). A Number 8 Bio obtém os mesmos compostos a partir da fermentação de precisão.
Liderada por Tom Williams, bioquímico, e Alex Carpenter, especialista em biologia sintética a equipe de cientistas da biotech transforma bactérias e fungos, especialmente leveduras, em miniusinas de bromofórmio, o ingrediente capaz de inibir as vias metabólicas de produção de metano. Depois de processado, o material é transformado em uma espécie de fermento seco e adicionado à ração dos animais.
Rebanho mais gordo
O poder das algas, sobretudo as vermelhas, chamadas cientificamente de Asparagopsis, foi descrito pela primeira vez em 2020, por pesquisadores da Nova Zelândia. A introdução da planta na dieta dos ruminantes reduziu entre 40% e 98% a liberação de metano durante o processo digestivo dos bichos. E mais: a substância aumentou o peso das criações.
O chamado metano entérico não ameaça apenas a saúde do planeta, como compromete também a rentabilidade dos rebanhos. A eructação implica em perda de energia pelos animais – e dinheiro para os fazendeiros.
Quando, por exemplo, uma vaca é alimentada, 10% do total de energia fornecida se esvai pelo ar sob a forma do gás de efeito estufa. Ou seja, quanto mais os ruminantes arrotam, maior é a queda na produção de carne e leite.
Carne “low on methane”
O mercado de substâncias antimetano está aquecido. No início do ano, a também australiana Rumin8 recebeu um aporte de US$ 12 milhões, em uma rodada capitaneada pelo fundo Breakthrough Energy Ventures, do cofundador da Microsoft, Bill Gates. A startup também trabalha com bromofórmio.
Em junho de 2022, a Suécia tornou-se o primeiro país do mundo a liberar a venda de carne bovina de “baixo metano”. Disponíveis nas gôndolas da rede de supermercados Coop, os cortes foram batizados LOME (“low on methane”). Fruto da parceria entre a startup Protos e a empresa de biotecnologia Volta Greentech, o suplemento é feito à base de Aspragopsis
Vacinas antimetano
Outro campo de investigação na busca por reduzir as emissões do gás é a criação de vacinas. Nessa área, a biotech americana ArkeaBio está entre as mais avançadas. Fundada em 2022, em Boston, a startup pretende lançar seu primeiro imunizante nos próximos três anos. No final do ano passado, a empresa recebeu US$ 12 milhões, em um aporte também liderado pelo Breakthrough Energy Ventures.
Nos testes realizados até agora, a nova tecnologia reduziu em 30% as emissões do gás de efeito estufa. Ao contrário dos suplementos dietéticos, restritos aos animais de confinamento, os imunizantes podem ser aplicados também aos rebanhos em sistema de pastejo.
Mas, como acontece na medicina, o desenvolvimento de uma vacina é um processo extremamente complexo. Aqui, talvez seja até mais complicado. Afinal, não se pretende inativar um agente estranho ao sistema imunológico dos ruminantes, mas micróbios específicos, presentes naturalmente no organismo dos animais, sem desregular seu sistema digestório.