Tudo começou com uma conversa despretensiosa em um pub, ao sul de Londres. A sintonia foi imediata. Edward TJ Mitchell e Brett Cotten descobriram ali que haviam sido selecionados para participar do programa da aceleradora de talentos Entrepreneur First.
Papo vai, papo vem, encontraram outra afinidade: a ambição de ajudar a salvar o planeta, por intermédio da economia circular. Queriam transformar lixo em matéria-prima de valor para indústrias dos mais diversos setores.
Daquele encontro de bar, com a mentoria da Entrepreneur First, nasceu, em 2022, a Arda Biomaterials.
Agora, a startup de Mitchell, PhD em química inorgânica, e Cotten, dono de um MBA em biotecnologia, acaba de levantar £ 1,1 milhão para seu primeiro produto, o New Grain: um couro produzido a partir dos restos de cevada, usada na fabricação de cerveja.
A rodada pré-seed foi liderada pelo Clean Growth Fund, do Reino Unido. O financiamento contou ainda com a participação da Plug and Play, Serpentine Ventures e Satgana.
Em março passado, a Arda foi uma das escolhida para o H&M Global Change Award, prêmio da gigante sueca de fast-fashion para as inovações com potencial de revolucionar a moda. O New Grain, porém, pode ser de grande serventia também para os setores automotivo e o de artigos para casa.
As primeiras experiências aconteceram na cozinha de Mitchell. Hoje, a Arda está instalada no complexo empresarial, o The Leather Market, onde, no século 19, funcionava um curtume.
Da moda à indústria automotiva
O local foi escolhido também por estar na Bermondsey Beer Mile, trecho de um quilômetro e meio no centro londrino, reduto das cervejarias artesanais da cidade. Da parceria com as fabricantes vem a cevada que, nas mãos de Mitchell e Cotten, vira couro.
“O advento do plástico atrasou em um século a inovação no uso de insumos naturais para a fabricação de novos materiais”, diz Mitchell, CTO da startup, em comunicado. “Agora, estamos descobrindo que a natureza nos oferece todos os blocos de construção para a criação de produtos maravilhosos.”
Um dos tecidos mais antigos em uso pela humanidade, o couro de verdade, de origem animal, tem um impacto grande sobre o meio ambiente. Mesmo nos curtumes mais sustentáveis, que utilizam menos recursos naturais e produtos químicos menos agressivos, o processo de fabricação do material é caro e prejudicial aos ecossistemas. Um par de sapatos de couro, por exemplo, consome 17 mil litros de água.
De forma a baratear a produção e atender à demanda dos ativistas de defesa do bem-estar animal, surgiram as alternativas sintéticas. As mais comuns são à base de poliuretano, polipropileno e polivinílico, substâncias derivadas do petróleo. Ou seja, nada ecológicos.
As novas versões
Com os avanços da ciência dos materiais e frente à emergência climática, a partir de meados dos anos 2010, os inovadores da economia 4.0 investiram no desenvolvimento de uma nova geração de couros.
A biotech americana VitroLabs, queridinha do ator e ambientalista Leonardo Di Caprio, por exemplo, produz couro em laboratório, a partir do cultivo de células bovinas. Mas a maioria das pesquisas se concentra na criação de produtos de origem vegetal.
Há o couro de cogumelo, cacto, folhas de abacaxi, casca de uva e de maçã e, também, de cevada – um mercado que deve movimentar globalmente US$ 97 milhões até 2027, a uma taxa de crescimento anual composta de 7,5%, segundo a consultoria Markets and Markets.
“Dispensamos a vaca e agora podemos beber e usar a nossa cerveja”, comemora Cotten, CEO da Arda.