Se as ondas de calor extremo estão insuportáveis, acreditem, tudo pode piorar. Na edição 2023 do relatório “Lacunas de Emissões”, António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações unidas (ONU), alerta: mantido o ritmo da produção de gases de efeito estufa (GEE), as tendências atuais levam o Planeta, ainda neste século, a “uma alta de temperatura sem saída” de 3º Celsius (C) em relação aos níveis pré-industriais.

Para manter o aquecimento global no limite de 1,5º C, como definido pelo Acordo de Paris, em 2015, as emissões de GEE deveriam cair 42%, até 2030. Para os analistas da ONU, a probabilidade de isso acontecer é bem baixa, de apenas 14%. A climatech inglesa SatVu, porém, acena com a possibilidade de um futuro mais fresco.

Fundada em 2016, em Londres, pelo engenheiro Anthony Baker, a empresa desenvolveu um “termômetro” da Terra. O satélite HOTSAT-1 está programado para produzir, em tempo quase real, imagens térmicas de alta resolução, de áreas e estruturas muito pequenas.

Pioneira no mercado, a câmera infravermelha de ondas médias é capaz de rastrear temperaturas em superfícies a partir de 3,5 metros de diâmetro. Com isso, o monitoramento climático ganha precisão e agilidade, permitindo a governos, empresas e ONGs tomadas de decisão mais assertivas.

Divulgados recentemente, os mapas de calor (fotografias e filmes curtos) da SatVu vão aos detalhes. A proposta da startup, no entanto, é ir além dos retratos pura e simplesmente. As imagens devem servir de ponto de partida para ações de mitigação (e até prevenção) dos efeitos do aquecimento global.

Ao monitorar as atividades dos mais variados setores econômicos, podem, por exemplo, identificar as infraestruturas que estão desperdiçando energia e que, por isso, necessitam de intervenção. A mesma leitura pode ser aplicada às construções residenciais, comerciais e industriais. Graças à nova tecnologia, é possível responder (e até se antecipar) a desastres naturais e monitorar as ilhas urbanas de calor.

O satélite flagrou focos de incêndio no Canadá (Crédito: SatVu)
O satélite flagrou focos de incêndio no Canadá (Crédito: SatVu)

Um dos vídeos mostra “assinatura de calor” de trens em movimento, na malha ferroviária de Chicago, nos Estados Unidos. E da atividade no Porto de Darwin, na Australia. Em ambos os casos são informações valiosas para a otimização do setor de transporte e logística.

Na cidade de Cushing, em Oklahoma, o detalhamento do SatHot-1 vai longe ao ponto de indicar a quantidade de petróleo nos estoques de uma companhia local. O registro térmico de uma fábrica pode dar a noção de seu tipo de produção e, inclusive, de seu volume.

As imagens de estacionamentos em Las Vegas ilustram a “quentura” das ilhas urbanas de calor. Não seria o caso de plantar algumas árvores, para resfriá-las? Além disso, o conjunto de informações térmicas, colhidas ao longo tempo, pode indicar se uma medida de combate às mudanças climáticas está ou não funcionando.

O satélite da SatVu foi lançado em órbita por um foguete da SpaceX (Crédito: SatVu)
O satélite da SatVu foi lançado em órbita por um foguete da SpaceX (Crédito: SatVu)

O SatHot-1 foi lançado em órbita, em junho passado, da Base da Força Espacial de Vandenberg, na Califórnia, em um foguete da SpaceX, a empresa aeroespacial de Elon Musk.

Antes do voo, a startup de Londres já tinha compromissos no valor de quase £ 130 milhões, com cerca de 60 clientes, das mais diversas indústrias, dentro e fora da Inglaterra. A tecnologia foi financiada pelas agências espaciais do Reino Unido (UKSA) e Europeia (ESA).

Desde sua fundação, a SatVu já levantou £ 30,5 milhões. No último aporte, em fevereiro de 2023, a empresa arrecadou £ 12,7 milhões. A rodada foi liderada pela Molten Ventures, com participação da Seraphim Space Investment, Earth Sciences Foundation e Stellar Ventures, entre outros. Para 2024, o plano é lançar, pelo menos, mais sete satélites.

Com o recrudescimento da crise climática, aumenta o interesse dos capitalistas de risco por propostas como as da startup inglesa.

No início do ano, a Organização Meteorológica Mundial (OMM), da ONU, já reforçara a importância de se investir no monitoramento do clima e nos sistemas de alerta precoce para o enfrentamento do aquecimento global. Os modelos tradicionais de análise de risco não dão mais conta do recado.