Aos 27 anos, o alemão Cornelius Schmitt é conhecido como o “Steve Jobs dos tênis”. Formado em engenharia industrial pela renomada Clausthal University of Technology, na Baixa Saxônia, o jovem é o inventor do primeiro calçado 100% reciclável, impresso em 3D, do mundo.
Em 2019, ele e três colegas de faculdade fundaram a Zellerfeld Shoe Company. Desde então, Schmitt e sua startup vêm revolucionando um dos setores mais desafiadores, da problemática indústria da moda – globalmente, 22 bilhões de pares de sapatos vão parar em aterros sanitários, todos os anos, uma ameaça inconteste à saúde do planeta.
E, nessa jornada, pautada pelo lema “impressos, não fabricados”, ele tem atraído a atenção de estilistas descolados, capitalistas de risco e celebridades endinheiradas. A figura mais recente a apostar nas inovações de Schmitt foi o investidor Peter Thiel, conhecido, entre outras facetas, por ser o fundador do PayPal e o primeiro investidor do Facebook.
Em fevereiro deste ano, a Zellerfeld recebeu um aporte de US$ 15 milhões, em uma rodada seed, capitaneada pelo Founders Fund, fundo de Thiel. Com o captação, o total de investimentos levantados pela empresa, em apenas dois anos, chega a US$ 30 milhões, nos cálculos da plataforma Crunchbase.
Em outro balcão, um dos primeiros clientes da Zellerfeld foi o bilionário sul-africano Elon Musk. Há dois anos, o dono da Tesla, SpaceX e Twitter encomendou um par de tênis para o filho caçula X AE A-XII, nascido em 2020, fruto de seu relacionamento com a cantora e compositora canadense Grimes.
O tom cinza fosco do sapatinho foi inspirado no Cybertruck, da montadora de carros elétricos do empresário. Sobre a tira de velcro, gravou-se o nome impronunciável da criança.
A personalização não é privilégio dos famosos. Todos os modelos são desenvolvidos pela startup a partir do escaneamento dos pés de cada cliente, por meio de um aplicativo móvel, disponível em iOS e Android. Feita a digitalização e escolhido o modelo, a impressora Monolith 3D confecciona o calçado sob medida. O preço? US$ 350.
Ao todo, são oferecidos 15 estilos diferentes de sapatos. Algumas linhas são mais clássicas, outras de design arrojado e futurista, tanto em cores mais sóbrias quanto em tonalidades mais extravagantes, como o laranja, o rosa, roxo e verde limão.
Um único material
Impressos em uma malha lavável e respirável, à base de termoplástico, à base de materiais reciclados, os calçados da Zellerfeld dispensam costuras, cola, cadarços ou rebites.
Os tênis convencionais, por exemplo, possuem, em média, 40 componentes diferentes. Ou seja, para reciclá-los é preciso desmontá-los item por item e enviar cada um, para seu fluxo específico.
Os clientes são ainda incentivados a devolver os sapatos usados para a Zellerfeld, no momento da compra de novos. Schmitt é aficionado pela circularidade, uma dos preceitos mais essenciais da nova economia. “Sem fábrica, sem desperdício”, lê-se em letras garrafais, no site da empresa.
Cada par leva, em média, apenas 40 horas para ficar pronto. Mas, o CEO da empresa quer diminuir ainda mais esse prazo. Ele sonha com o dia em que o sapato físico será despachado para o cliente poucas horas depois de receber o pedido.
Com sede em Hamburgo, a Zellerfeld conta atualmente com oito impressoras, mas Schmitt pretende em breve ampliar o acervo da startup para 200 máquinas. Também está em seus planos inaugurar uma linha de produção nos Estados Unidos, com capacidade para imprimir 5 mil pares por dia. Um escritório foi aberto, no início do ano, no bairro do Brooklin, em Nova York.
“Mudança sísmica”
A tecnologia desenvolvida por Schmitt, na avaliação de analistas do mercado, sinaliza, como descreve a plataforma de inovação inglesa Springwise, uma “mudança sísmica” na indústria de calçados, avaliada em cerca US$ 500 bilhões.
A Zellerfeld é daquelas disrupções que fazem encher os olhos dos entusiastas do ecossistema da inovação 4.0. Uma das primeiras parcerias da marca alemã foi com o estilista americano Heron Preston. Designer, artista plástico e DJ, ele é cultuado na cena de moda nova-iorquina.
O primeiro encontro entre Preston e Schmitt aconteceu em 2020, via Zoom. O espaço do qual o empreendedor operava, entre as impressoras 3D, lembrou o de uma LAN party, conta o estilista ao site Complex, de cultura pop. “Conhecer Cornelius foi como conhecer um gênio, um cientista maluco”, diz Preston. “Ele não dorme –nunca dormiu. Eu recebia mensagens dele a qualquer hora do dia e da noite.”
Schmitt começou a pensar em produzir seus próprios tênis, quando ainda estava na faculdade. Localizada nas Montanhas Altas de Harz, no norte da Alemanha, a cidade onde está localizado o instituto de tecnologia é pequena, com apenas 15 mil habitantes, e o então estudante tinha dificuldade para encontrar “sapatos legais”.
Mas Schmitt sempre quis ir além. Seu sonho é fazer do design de calçados uma espécie de software de código aberto, permitindo que os produtos sejam atualizados como programas de computador, ao longo de seu ciclo de vida. Um mundo no qual o comprador possa enviar seu par de volta para ser reciclado e recriado.
Ao explicar a empresa para Preston, Schmitt lembrou a trajetória da fotografia digital. Antes da popularização das câmeras digitais e dos celulares, tirar, imprimir e compartilhar fotos era um processo caro e complicado.
O empreendedor quer democratizar a criação de calçados. Um modelo de negócio no qual as marcas e designers enviarão o arquivo digital do modelo a ser impresso – “e os clientes não nos verão”, define ele ao Complex. A startup ficaria com 30% dos lucros. Os criadores, com os outros 70%.
Em tempo: o nome Zellerfeld é uma homenagem a Clausthal-Zellerfeld, a cidadezinha alemã, onde não se encontram “sapatos legais”.