Quantos executivos de marketing viram notícia no Hollywood Reporter por que saíram de suas empresas? Provavelmente apenas ela: Bozoma Saint-John.
Fora da Netflix há pouco mais de dois meses, sua mudança gerou o tipo de repercussão que vai muito além do marketing, e é fácil entender: sua história de vida hipnotiza qualquer plateia. Sua presença é marcante, é o tipo de pessoa magnética, que monopoliza a atenção em qualquer ambiente.
Filha de pais ganenses, cresceu em um ambiente com mais obstáculos que a maioria dos americanos. Superou todos para ser ultra bem-sucedida, mas mesmo depois do sucesso, a vida lhe reservava grandes provações.
Em 2013, Bozoma Saint-John trabalhava na Pepsico. Foi responsável pelo histórico show de Beyoncé no Super Bowl. O show foi um sucesso e marcou a volta de uma artista afro-americana ao Superbowl, o que não acontecia desde o show de Janet Jackson, 8 anos antes.
Imagine isso: Bozoma Saint-John, a menina negra com raízes em Gana, era a profissional de marketing responsável por uma das principais atrações de um dos maiores eventos do mundo. Para os anos seguintes, tinha Bruno Mars e Katy Perry engatilhados para os shows do intervalo. Anos gloriosos estavam por vir.
Mas a vida traz acontecimentos inesperados e, logo após o auge profissional, veio o inferno pessoal. Seu marido e pai de sua filha foi diagnosticado com câncer terminal. Junto a ele, fizeram uma lista de coisas para fazer enquanto era tempo e tentaram ser felizes naquele curto período. Três meses depois, era uma mãe viúva.
Apesar do luto, Bozoma não deixou que o rótulo de viúva fosse um limitador de sua personalidade. Seguiu trabalhando, mas também percebeu como a vida é curta e deveria perseguir sonhos e objetivos com intensidade. “Viva a vida com urgência”, ela repete como um mantra.
Na Pepsico, ocupava um cargo de causar inveja em 10 em cada 10 líderes de marketing. Apesar disso, sentia um certo vazio em Nova York, onde vivia. Um dia, recebeu uma ligação. Era Dr. Dre, o rapper e produtor musical. Ele a convidou para liderar o marketing de uma nova empresa de streaming de música na California.
Era algo incerto, do outro lado do país. Qualquer um ficaria lisonjeado com o convite, mas quem teria coragem de trocar a Pepsico por algo incerto? Ela disse sim.
A empresa em questão era a Beats. Poucos meses após iniciar seu trabalho por lá, os executivos chamam Bozoma para entrar numa sala de reunião, e ela se depara com Tim Cook, o CEO da Apple.
A empresa fundada por Steve Jobs comprou a Beats, que virou a base para a Apple Music, e Beats ainda virou a marca que criou alguns dos equipamentos mais desejados para ouvir música. O resto é história.
Essa trajetória a levou ao cargo de CMO na Netflix, onde esteve a até março. Tendo a diversidade e equilíbrio de gênero como pauta, promoveu mudanças drásticas no marketing da empresa de streaming. Durante o The Cult Gathering (evento para lideranças e marketing, que acontece anualmente em Banff, Canadá), ao ser perguntada por um homem branco sobre diversidade, sua resposta foi um tanto polêmica.
- Demita seus amigos! - disse ela.
“Seus amigos são iguais a você. Se todos se parecem com você, pensam como você, e fazem o mesmo que você, não há diversidade no ambiente”.
“Todo mundo fala sobre diversidade, mas o que você faz? Não espere uma lei ou ação do governo. Falar que tem um amigo negro também não basta.”
Fiel a seus princípios, foi isso que fez na Netflix. Trocou metade dos diretores de marketing, e disse brincando que manteve “um homem branco como token”.
“Seus amigos são iguais a você. Se todos se parecem com você, pensam como você, e fazem o mesmo que você, não há diversidade no ambiente”.
Token é uma expressão usada para empresas, obras audiovisuais e equipes que tem um único representante da diversidade, como se ele fosse usado como troféu: “olhe, nós temos diversidade, veja essa pessoa aqui...”. De forma bem explícita sobre o conceito, na animação satírica South Park, há um único personagem afrodescendente chamado Token.
Para além da polêmica, Bozoma traz alguns aprendizados que são universais. Em um jogo de palavras que funciona bem em inglês, ela questiona o significado da palavra belong (pertencer).
E pergunta se você vai esperar para pertencer a aquilo que quer. Disse que belong não é “be long” (demorar muito), e perguntou: are you longing to be? (você está demorando para ser)?
Como coroação de uma carreira ainda em movimento, Bozoma Saint-John entrou em 2022 para o Hall da Fama do Marketing. Caso você queira reflexões interessantes sobre vida, carreira e marketing, seu workshop chama The Badass Workshop e é acessível online.
Alexandre Reis é CMO da Avenue e integrou a comitiva da IN - Consultoria de Marcas – liderada por Fábio Milnitzky no The Cult Gathering