O atual debate sobre o futuro da Amazônia vem sendo amplo, mas pouco se fala sobre uma questão central: o presente e o futuro de crianças e adolescentes. Tanto das brasileiras como das do mundo todo. O bioma amazônico se aproxima de atingir um ponto de não reversão de sua capacidade de se restaurar, como foi alertado recentemente por cientistas na prestigiada revista Nature.
A principal causa é o desmatamento que, em 2020, foi responsável por nada menos de 75% das emissões de gases de efeito estufa – que colaboram para as mudanças climáticas –, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima.
A devastação e a baixa perspectiva de resiliência de um ecossistema dessa magnitude são uma ameaça direta para a biodiversidade e para o clima, em escalas local, regional e global. É, também, uma ameaça direta para a vida humana, em especial para a vida de crianças e adolescentes.
Por estarem em estágio especialmente crítico de desenvolvimento, crianças e adolescentes estão mais suscetíveis aos efeitos da devastação ambiental e das mudanças climáticas porque respiram mais ar e ingerem mais alimentos e água por grama de peso corporal do que adultos. Além disso, tudo que vivemos nessa fase de acelerado desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e social é determinante para a qualidade do restante de nossas vidas.
No entanto, os alertas dos cientistas não estão sendo ouvidos pelos tomadores de decisão. Diariamente, dados e retrocessos em políticas públicas reforçam um horizonte nada promissor. O desmatamento na Amazônia atingiu, de janeiro a junho deste ano, o pior índice para o primeiro semestre dos últimos 15 anos, de acordo com o Imazon; e as queimadas no mesmo território atingiram o maior número também dos últimos 15 anos em junho, segundo o INPE.
Por estarem em estágio especialmente crítico de desenvolvimento, crianças e adolescentes estão mais suscetíveis aos efeitos da devastação ambiental e das mudanças climáticas
Na contramão dos dados globais, como mostra o SEEG, o Brasil registrou aumento de 9,5% em emissões de gases do efeito estufa em 2020, ano de pandemia, enquanto o país assiste atônito a um desmonte dos sistemas de controle e órgãos de fiscalização na área ambiental.
Este retrato não é apenas uma ameaça futura. Os efeitos da devastação do bioma amazônico já se fazem presentes no cotidiano de milhões de crianças e adolescentes no Brasil e no mundo, impactando os segmentos mais vulneráveis da população na medida de suas desigualdades.
As Américas Central e do Sul estão altamente expostas à crise climática mundial, além de suas consequências e riscos estarem se tornando cada vez mais complexos e difíceis de gerenciar, como destacou o último relatório do IPCC.
Eles estão presentes hoje na situação de fome, violência e adoecimento de crianças e adolescentes yanomami; na falta de água que afeta meninos e meninas do campo nas regiões central e sul do Brasil; na fome nas periferias das cidades brasileiras, alimentada também pela quebra de safra; nas mortes causadas por deslizamentos de terra e inundações causadas por eventos climáticos extremos.
Os riscos estão presentes hoje na situação de fome, violência e adoecimento de crianças e adolescentes yanomami
São uma ameaça concreta ao presente e ao futuro. Afinal, como prometer um futuro para crianças e adolescentes que convivem com os impactos das mudanças climáticas e com a possibilidade iminente de não haver mais um meio ambiente que lhes assegure a existência?
Negar um olhar cauteloso, urgente e comprometido com este cenário, hoje, é negligenciar a responsabilidade que está nas mãos do Estado, ao lado da família e da sociedade, de assegurar, com absoluta prioridade, o direito à vida e à saúde para crianças e adolescentes, entre outras garantias, conforme previsto pelo artigo 227 da Constituição Federal; e a um meio ambiente ecologicamente equilibrado para todos, como previsto no artigo 225 de nossa Lei maior. É negligenciar, também, o desenvolvimento econômico e humano do Brasil.
Não é possível planejar os próximos anos do país sem dar centralidade para políticas públicas que enfrentem as mudanças climáticas, proteja os ecossistemas terrestres e marinhos e apoie, com atenção especial à Amazônia, medidas sustentáveis, como forma de garantir o presente e o futuro de crianças e adolescentes do Brasil – e do mundo todo.
É este o compromisso que a Agenda 227, movimento que reúne mais de 310 organizações da sociedade civil em defesa da infância e da adolescência, cobra e espera das candidaturas à Presidência da República.
Há uma série de medidas emergenciais que precisam ser implementadas pelo próximo governo eleito. Elas passam por ações para promover resiliência climática na gestão territorial e setorial; pelo fortalecimento dos órgãos de monitoramento e de fiscalização ambiental; por promover estratégias para uso e conservação da sociobiodiversidade; por criar projetos de restauração de ecossistemas; por incentivar as energias renováveis; pela demarcação de terras indígenas e titulação de territórios quilombolas; pela promoção de políticas que priorizem a baixa emissão de gases de efeito estufa; entre outras tantas que são factíveis de serem colocadas em prática no contexto nacional.
Os alertas estão dados. A velocidade e a qualidade das respostas que seremos capazes de produzir como nação serão decisivas para a vida de todos, principalmente para aqueles que temos responsabilidade primordial de zelar. Nestas eleições, mais do que nunca, debater o futuro do país é colocar a Amazônia e as crianças e os adolescentes no centro das propostas.
*Ana Toni é economista e doutora em Ciência Política. Atualmente é diretora- executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), organização membro da Agenda 227. É cofundadora da Gestão de Interesse Público, membro da Rede Brasileira de Mulheres Líderes pela Sustentabilidade e membro dos conselhos da Agência Pública, Gold Standard Foundation, ClimaInfo, Instituto República, Transparência Internacional e IPAM.
*Isabella Henriques é diretora-executiva do Instituto Alana, organização membro da Agenda 227. Também é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-SP e conselheira do Conselho Consultivo da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. É cofundadora do Advocacy Hub, Global Leader for Young Children pelo World Forum Foundation e Líder Executiva em Desenvolvimento da Primeira Infância pelo Núcleo Ciência pela Infância. Advogada e doutoranda em direitos difusos e coletivos pela PUC-SP.