Paulista, canhota, 27 anos, Beatriz Haddad Maia começou a jogar aos 5 anos de idade e acaba de se tornar a maior tenista profissional brasileira da história. Com a semifinal em Roland Garros, ela entrará pela primeira vez no seleto grupo das 10 melhores tenistas do mundo. Maria Esther Bueno, a eterna diva do tênis brasileiro, ganhou muito, mas quando o tênis ainda era amador, não havia circuito profissional.
Bia não é um foguete de ascensão rápida, fenômeno que a maioria da torcida brasileira gosta de idolatrar. A carreira de Bia está mais para montanha russa, cheia de altos e baixos, muitas dificuldades, esforço e superação.
Atrapalhada durante boa parte da carreira por contusões, Bia também sofreu com uma suspensão por uso de substâncias proibidas que foi revertida depois da comprovação de que o problema foi a contaminação de suplementos durante a manipulação. Se os potentes golpes de direta e esquerda eram os pontos fortes de Bia, o lado emocional muitas vezes estragava a festa.
Bia chegou a ter chances com algumas das maiores do mundo, mas não era raro vê-la cavando buracos durante os jogos e se atirando neles. A grande novidade em Roland Garros neste ano foi ver Bia saindo, sozinha, desses buracos. Não que ela não os tenha cavoucado. Desde a segunda rodada, Bia transformou jogos que poderiam ter sido tranquilos em filmes de terror para quem estava na torcida.
Nas oitavas de final, contra a espanhola Sara Sorribes, teve 5 a 2 com saque no primeiro set. Perdeu a série, ficou em desvantagem de 3 a 0 no segundo e, depois de conversas com o técnico Rafael Paciaroni, fez 7 games seguidos. Complicou um pouco o terceiro set e ganhou. Depois do jogo disse que a chave para a vitória foi ter-se perdoado. Talvez tenha sido essa a grande mudança na carreira de Bia.
Bia não é o que os especialistas chamam de jogadora talentosa, que joga fácil. Ela é ótima na pancadaria, mas faltam toques e deixadinhas. Nada que ela não possa acrescentar em seu arsenal.
A campanha de sonhos de Roland Garros, no entanto, deixa uma estrada de perrengues para trás. Juvenil talentosa, começou a jogar pequenos torneios profissionais aos 15 anos, em 2011. Passou a ser uma das pouco mais de 1000 jogadoras com pontos no ranking profissional. Grandona (ela tem 1,85 metro), com golpes fortes e pesados do fundo de quadra, foi ganhando posições aos poucos.
Em 2013 estava entre as 300 melhores do mundo, em 2016 entre as 200. No ano seguinte, Bia deu um salto enorme. Foi vice-campeã em Seul e chegou ao 58 posto.
Em Wimbledon teve chances de derrotar a romena Simona Halep, então uma das melhores do mundo. Mostrou para as grandes que seus golpes deveriam ser temidos. Mas a ascensão foi interrompida. Contusões que já haviam atrapalhado a carreira como juvenil, voltaram a assombrar a tenista. Problemas nas costas e nos punhos a afastaram das quadras por meses e seu ranking despencou para 183 em 2018.
Mesmo assim, teve grandes momentos, como a vitória sobre a espanhola Garbine Muguruza, ex-campeã de Wimbledon. Voltou a disputar torneios menores, recuperou algumas posições em 2019, mas sofreu o maior baque da carreira em 2020. Foi suspensa por uso de substâncias proibidas. Depois de um ano fora das quadras, as autoridades constataram a contaminação cruzada na manipulação de suplementos e encerraram a suspensão.
Como resultado da punição e do tempo fora das quadras, o ranking de Bia despencou para a posição 1342, a pior de sua carreira. Aos 24 anos, precisou refazer o caminho de torneios menores, os chamados ITF Futures, normalmente jogados por juvenis que buscam seus primeiros pontos.
Os patrocínios tinham minguado, o dinheiro estava curto. Bia foi dividindo quartos com outras jogadoras, ganhando torneios pequenos e, muito devagar, recuperando posições no ranking para jogar torneios um pouco maiores. Foi nesse circuito que ela conheceu o técnico Rafael Paciaroni, que treinava garotos brasileiros que estavam fazendo a transição do juvenil para o profissional.
A parceria entre os dois foi essencial para uma nova jornada de subir ladeiras. Terminou 2020 como a 359 do mundo, uma arrancada de quase mil posições, mas ainda muito pouco para quem já tinha chegado muito mais longe. Em 2021, ganhou da número 3 do mundo, a tcheca Karolina Pliskova, e terminou o ano como 83 do mundo.
No ano passado, um começo de sonho no Aberto da Austrália. Foi vice-campeã de duplas ao lado da cazaque Anna Danilina, com quem conseguiu outros grandes resultados. Depois de mais uma decepcionante campanha em Roland Garros, Bia partiu para os torneios na grama, piso pouco íntimo da maioria dos brasileiros. Foi campeã em Nottingham e Birmingham e chegou a Wimbledon com pinta de favorita. Perdeu na primeira rodada.
Durante o resto do ano, ganhou da número 1 do mundo, Iga Swiatek, e foi campeã do forte WTA 1000 de Toronto. Até Roland Garros deste ano, a melhor campanha de Bia em um Grand Slam (os quatro principais torneios do mundo) havia sido uma segunda rodada.
Bia sai de Paris como uma gigante. Deve aparecer como 10 do mundo, ganhou 3,5 milhões de reais por duas semanas de trabalho, passou a ser vista como ídola, os patrocinadores agora estão atrás dela. Nas próximas semanas ela vai para as quadras de grama, que representaram sua entrada para o grupo das grandes jogadoras. Ninguém sabe o que vai acontecer.
Bia pode perder na primeira rodada, pode ganhar Wimbledon. Pouco importa. Bia é hoje uma das maiores tenistas do mundo. E já sabe sair dos buracos.
* Marcelo Onaga é jornalista e psicanalista. Desde 2012 está à frente da agência de comunicação BRCOMM. Tentou ser tenista, mas com a raquete só conseguiu fazer bons amigos e algumas hérnias de disco