O FBI nunca assumiu o seu envolvimento no assassinato de Fred Hampton (1948-1969). Quando foi morto pela polícia de Chicago, Hampton tinha apenas 21 anos e já era líder do Panteras Negras, o movimento, que surgiu nos anos 60, nos EUA, contra a segregação e o racismo.
Ao revisitar o caso nas telas, o filme “Judas e o Messias Negro”, que estreia no Brasil no dia 25, mostra como o FBI teria orquestrado o plano de execução. Na madrugada de 4 de dezembro de 1969, Hampton foi morto a tiros pela polícia, enquanto dormia em seu apartamento em Chicago.
Embora esteja no centro da ação, Hampton é visto no filme pelos olhos de William O’Neal, o homem que o traiu. O’Neal é apresentado aqui como o informante pago pelo FBI para se infiltrar na organização Panteras Negras e ajudar o “bureau” a planejar o ataque.
Na época, o FBI era conduzido por J. Edgar Hoover, que temia a ascensão de um “messias negro”. Entre as informações que O’Neal teria fornecido ao FBI estaria uma planta do apartamento de Hampton, que foi invadido. A princípio, a batida policial cumpria apenas um mandado de busca e apreensão de armas ilegais.
“Nosso filme é uma espécie de ‘Os Infiltrados’ inserido no mundo do Cointelpro (o programa secreto de contrainteligência do FBI criado para desacreditar e neutralizar as atividades de grupos nacionalistas negros, realizado de 1956 a 1971)”, afirmou o diretor do filme Shaka King.
“Os Infiltrados”, a que King se referiu aqui, é o thriller assinado por Martin Scorsese, em 2006. Nele Leonardo DiCaprio vive um policial que recebe a missão de se infiltrar na máfia, enquanto o criminoso interpretado por Matt Damon entra na polícia de Boston para servir de informante para o chefe do crime organizado.
Para se distanciar de cinebiografias tradicionais, “Judas e o Messias Negro” se inspira na mesma estrutura de “Os Infiltrados’’: a do confronto entre dois homens de lados opostos. Mas, diferentemente do que se vê no filme de Scorsese, com os dois personagens centrais disfarçados, Hampton é exatamente quem diz ser aqui.
Daniel Kaluuya foi indicado ao Globo de Ouro de melhor ator coadjuvante pelo retrato eletrizante do ativista, que propunha uma coalizão multirracial com outras entidades militantes para combater não só o racismo, mas também o capitalismo.
Na cerimônia de premiação da Associação de Correspondentes Estrangeiros de Los Angeles, que será realizada no dia 28, o filme também disputa o Globo de melhor canção, com “Fight for You”. Há chances de “Judas e o Messias Negro” ser lembrado também nas indicações ao Oscar (que serão anunciadas em 15 de março), inclusive na categoria de melhor filme.
“Muitos negros podem ter ouvido o nome Fred Hampton, mas não sabem muito sobre ele”, disse King, por videochamada. De sua casa, em Nova York, o diretor participou de evento virtual de lançamento de “Judas e o Messias Negro”, que teve cobertura do NeoFeed.
“Eu mesmo, que tenho pais adeptos da filosofia nacionalista negra, cresci ouvindo o seu nome. Sabia que Hampton foi um Pantera Negra e que foi baleado dormindo ao lado de sua esposa grávida. Mas eu não sabia muito mais sobre a sua vida, o que espero ter corrigido com o filme”, completou o cineasta.
Muita pesquisa foi necessária até o roteiro, escrito por King e Will Berson, ficar pronto. O processo envolveu a participação de vários especialistas no caso, incluindo jornalistas e historiadores, e da própria família de Hampton. O filho do ativista, Fred Hampton Jr., foi consultor do filme e também esteve presente durante as filmagens.
“Há muita informação de domínio público sobre Hampton. Mas, ao longo do processo, descobrimos que muito do que foi divulgado não era verdadeiro. Muitos artigos de jornais foram escritos a partir das histórias plantadas pelo FBI”, contou o produtor do filme, Charles D. King.
Mesmo não sendo responsável diretamente pela execução de Hampton, morto na própria cama pela polícia de Chicago, o FBI teria desempenhado um papel central no plano para eliminar o ativista. Pelo menos é isso que sugere uma nova leva de documentos do FBI obtida recentemente pelo historiador e escritor Aaron Leonard.
Os arquivos foram resgatados graças à Freedom of Information Act, lei que força o governo dos EUA a fornecer informações sobre a administração pública. Um dos documentos traria uma espécie de parabenização feita ao agente do FBI Roy Mitchell, que era o encarregado da infiltração de O’Neal no Panteras Negras.
E o mesmo registro também comemoraria o sucesso da incursão policial na casa de Hampton, confirmando que uma planta do apartamento (com a posição exata da cama do ativista) havia sido fornecida por O’Neal ao FBI.
“Judas e o Messias Negro” termina justamente com a invasão da polícia e com a morte de Hampton. Ainda que os policiais envolvidos na operação tivessem inicialmente alegado que quem abriu fogo primeiro foram os Panteras Negras, especialistas em balística chegaram posteriormente à outra conclusão. Apenas um dos quase cem tiros disparados naquela madrugada teria vindo dos Panteras.