Sérgio Amado, um dos mais aclamados publicitários do país, comandou a Ogilvy no Brasil por 22 anos. Nesse período, liderou a expansão da rede no país e foi fundamental no nascimento e crescimento da agência DAVID e no fortalecimento do grupo WPP.
Mas Amado, que morreu neste sábado, 4 e outubro, aos 77 anos, descobriu o ofício da comunicação dentro de casa. Primeiro filho de sete irmãos, de Salvador, viu seu pai jornalista se desdobrar em seis empregos para dar o mínimo de conforto e sobrevivência à família.
“Ele morreu muito cedo de enfarto, aos 54 anos, de tanto trabalhar”, contou ele, em um comovente depoimento sobre sua carreira e ideias à Academia Brasileira de Marketing, em 2022, para seu arquivo sobre a memória da propaganda no Brasil.
Era o ano de 1969 e ele, com 21 anos, teve de se virar para manter a família. Baiano de Salvador, nascido em 5 de fevereiro de 1948, Antonio Sérgio Amado Simões foi pedir emprego no Jornal da Bahia, o mesmo onde seu pai tinha sido editor-chefe anos antes.
Queria ser jornalista também e lhe deram moleza. Como teste, deveria fazer uma pauta sobre o Dia dos Namorados, que seria dali a duas semanas. Missão cumprida, aguardou o dia e viu seu texto em destaque na primeira página do caderno de cultura e assinado.
Estava empregado. Não abandonou os estudos nos anos seguintes. Tornou-se bacharel em jornalismo, ciências sociais e história. Três anos depois, apaixonado pela propaganda, trocou a redação do jornal pelo cargo de redator na pequena agência Vox Propaganda. Saiu-se tão bem que recebeu um convite para trabalhar na filial baiana da Standard Ogilvy & Mather.
Poucos meses depois, virou assistente de criação e, em seguida, quase garoto, diretor de Atendimento, de Criação e vice-presidente da região Norte-Nordeste e, por fim, superintendente geral do escritório na Bahia e da região Nordeste.
Em 1979, quando a empresa passou a fazer parte de um grupo internacional, ele achou que era o momento de fundar sua própria agência. E nasceu a Divisão Associados, que se uniu à Engenho Propaganda para dar origem à D&E Publicidade e Promoções.
“Fiz isso para herdar todo o patrimônio de clientes da Standart, fiz um acordo com a empresa para representar seus clientes na Bahia.”
Depois de onze anos, a agência se fundiu com a DM9 Salvador, em 1990, e formou a DS 2000, que Amado passou a comandar. Em 1991, mudou-se para São Paulo para integrar a Denison Propaganda.
“Nossa agência cresceu bastante, bateu no teto, e resolvi ir para São Paulo. Fui aconselhado por Flávio Correa, que é meu amigo, a comprar parte da Denison Propaganda São Paulo Ltda., uma das grandes marcas nacionais e que naquele momento passava por dificuldades.”
Com fama de empreendedor por natureza, Amado comprou 20% da Denilson e passou a fazer uma transformação radical na companhia, ao mesmo tempo em que buscou novos clientes e, em seis ou sete meses, tinha 100% do grupo.
“Em 1997, Martim Sorell (CEO da Standard Ogilvy & Mather, uma das redes globais do WPP, que em 2000 passou a se chamar Ogilvy & Mather no Brasil) me procurou e disse que queria me comprar e até a agência. Fui para casa traumatizado com o que ouvi. Primeiro, por causa da sinceridade e da honestidade dele no primeiro contato, não houve salamaleque”.
A Denison Propaganda foi adquirida em 1997 pela Standard Ogilvy & Mather e Amado assumiu o comando do grupo no país. Sua trajetória ganhou projeção internacional quando se tornou responsável por marcas como Ogilvy & Mather, OgilvyOne, Ogilvy Interactive, Ogilvy Public Relations, Ogilvy Healthworld, entre outras.
Em 2002, foi indicado ao Board Mundial da Ogilvy Worldwide e, quatro anos depois, tornou-se chairman e presidente do Grupo Ogilvy Brasil, responsável por todas as empresas do grupo no País.
Nada foi fácil, lembrou ele. “Iniciamos um processo de rejuvenescimento da companhia, de fortalecimento da criatividade, começou a dar muito certo e nosso trabalho foi coroado em 2013, quando a Ogilvy ganhou 36 medalhas de ouro no Festival de Cannes e o prêmio de Agência do Ano”.
Era a primeira vez que uma empresa do grupo ganhava Cannes mundialmente. “Depois disso, passou a ser uma outra agência, procurada por muitos clientes e a fazer parte do top five de agências criativas do Brasil, além de fortalecer a imagem de administração fantástica de resultados.”
A marca, observou Amado, chamou a atenção do mundo e passou a ser a terceira em receita e lucro mundialmente. Esse reposicionamento permitiu promover uma série de aquisições no Brasil.
“Fizemos a primeira aquisição digital e passamos a vislumbrar que o processo da propaganda no planeta estava mudando. Compramos empresa de database, de performance e digital. Fomos pioneiros nesse processo.”
Mas ninguém faz nada disso sozinho, destacou. “Fiz isso com o apoio e o suporte de um time fabuloso, com um grupo unificado, unido, com o mesmo objetivo.”
Ainda em 2013, a Ogilvy criou a agência DAVID, com escritórios em São Paulo, Miami e Buenos Aires. “Surgiu como uma agência extremamente criativa, virou um grande sucesso, uma grande vitrine criativa no Brasil”, lembrou.
Amado não esqueceu também do papel de seu pupilo, Fernando Musa, que o substituiria no comando do grupo. “Musa é um grande líder do grupo no Brasil e no mundo, é um talento natural voltado para a criatividade e ao relacionamento com o cliente”, afirmou.
Nova vida
Amado permaneceu no comando até 2017. Entre 2018 e agosto de 2019, ocupou o cargo de country manager do WPP no Brasil. Com a mudança na liderança da holding, encerrou sua trajetória na empresa e decidiu se afastar da publicidade, o que pôs fim ao que chamou de primeira parte de sua vida.
“Em 2019, aos 71 anos, depois de 23 anos e de ter entregue mais de meio bilhão de dólares de lucro, resolvi sair. Disse para mim: ‘Chega, estou cansado, gente jovem precisa entrar para ocupar o comando e seguir em frente. E isso aconteceu em um processo de digitalização das empresas no Brasil.”
O admirável mundo novo que viu nascer e ajudou a estabelecer de modo pioneiro continuaria a empolgar Amado. “Vivemos um avanço extraordinário que até hoje continua”, afirmou.
Após esforços em vão do comando global do grupo para que ele continuasse, fechou um acordo de non-compete (ou “não concorrência”) de dois anos, o que ajudou a baixar a adrenalina, segundo ele. “Voltei a ler, a estudar e a olhar o mundo de forma diferente de dentro de quatro paredes e isso foi muito importante para mim, para minha saúde e a mente.”
Esse tempo permitiu a ele compreender que as coisas estavam em um processo de transformação novo e na velocidade do som também na publicidade. “Ou eu e as agências nos adaptávamos àquilo ou todos nós iríamos morrer. Era preciso entender esse mundo digital com muita sabedoria”, destacou.
Mesmo sem querer voltar à linha de frente, aceitou, com fôlego renovado, o convite de Martin Sorrell para ser conselheiro da S4 Capital, holding global de comunicação e marketing digital fundada por Sorrell. Os dois trabalharam juntos por 25 anos, unindo trajetórias na WPP e Ogilvy. Sorrell fez um acordo com Amado para esperar os dois anos de quarentena.
“Disse para ele que só não queria ser executivo, escolhi ser conselheiro no Brasil. Voltei a trabalhar com meu ex-chefe, que me deu todas as condições de crescer e sempre me apoiou nos meus erros e acertos porque, como disse Gilberto Gil, ‘O Flamengo não pode ganhar todos, meu filho, tem de perder uma’. Hoje dou curso para as pessoas, usando meu networking, me divirto.”
Amado deixou sua marca como dirigente de instituições e de líder empresarial. Orgulhava-se do reconhecimento que recebeu da Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap) entre 1999 e 2001, além da presidência nacional até 2003.
“Fui eleito duas vezes presidente da Abap sem nenhuma concorrência, representando os maiores nomes da publicidade e onde construímos uma série de acordos e projetos”, lembrou. “É importante ter esse tipo de interlocução, inclusive com o governo, para proteger o negócio da propaganda.”
O publicitário ficou conhecido por sua visão e ideias humanizadas e modernas da comunicação e por sua generosidade e disposição para ajudar causas sociais. Em 2012, recebeu o Prêmio Caboré de Dirigente da Indústria de Comunicação.
Torcedor apaixonado do Esporte Clube Bahia, morreu no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde estava internado. Deixou a viúva Micka, os filhos Adriana, Ernesto, Fábio e Daniel, e oito netos, além de um modelo exemplar de profissional competente e ético.