Às vésperas de completar um ano, em 24 de fevereiro, a invasão da Ucrânia pela Rússia, entra para a história como o conflito mais documentado de todos os tempos. E isso por conta do uso intensivo de smartphones nas zonas de conflito.
Operados por combatentes, de ambos os lados, e por cidadãos comuns, os aparelhos permitem a captação e disseminação, em tempo real, de imagens e sons do confronto. Até agora, só a Mnemonic, ONG alemã de defesa dos direitos humanos, coletou quase 3 milhões de registros digitais.
A título de comparação, a documentação reunida em 11 anos de embate na Síria rendeu 5 milhões de anotações. Esse material pode ser de grande serventia em eventuais julgamentos de crimes de guerra.
Desde o início da invasão, os celulares têm se revelado ferramentas úteis na elaboração das estratégias militares. Equipados com tecnologias de georreferenciamento, permitem o monitoramento das tropas inimigas.
Os aparelhos se revelaram fundamentais para fazer da população parte ativa dos planos de ataque e defesa, “obscurecendo a divisão entre civis e combatentes”, como define uma reportagem do jornal americano The Wall Street Journal.
Em março, logo depois da chegada dos russos, o governo de Volodymyr Zelensky criou um chatbot no aplicativo de mensagens instantâneas Telegram, para que os cidadãos que ainda permaneciam no país reportassem ao exército ucraniano as movimentações das tropas russas.
A mesma tecnologia que capta informações dos adversários pode acabar por expor seus próprios combatentes. Em 1º de janeiro, um ataque de drones ucranianos matou 89 russos, em Makïïva, na região de Oblast de Donetsk.
O assalto só foi possível por causa do grande número de ligações para a Rússia, naquela madrugada, segundo o Ministério de Defesa da Rússia. Era noite de Ano Novo e os combatentes queriam falar com as famílias – indicando, sem querer, sua localização ao inimigo.
O mesmo descuido levou o exército da Ucrânia a atacar os soldados chechenos. Os combatentes do Cáucaso são conhecidos pelos vídeos e fotografias que postam no TikTok e Instagram – alguns de uma atrocidade hedionda.
Em um desses assaltos, em outubro passado, 30 recrutas morreram. Um dos solados filmou e jogou na internet os colegas de diferentes ângulos, bem como as instalações e as imediações da escola, onde estavam escondidos.
Poucas horas depois da publicação do vídeo nas redes sociais, o prédio foi atingido pela artilharia de precisão da Ucrânia. O uso dos celulares é tão arriscado que, cerca de um mês atrás, ao assumir o comando do exército russo na Ucrânia, o general Valery Gerassimov proibiu os aparelhos.
Dificilmente, avaliam os especialistas, ele será atendido. Via smartphones, o TikTok se transformou em uma espécie de diário de guerra. O jornal inglês The Guardian já definiu o conflito como a “primeira guerra do TikTok”. Só a tag #warinukraine acumulava 1,4 bilhão de visualizações, na tarde de sexta-feira, 17 de fevereiro.
A maioria das postagens é de soldados ucranianos e russos sobre o dia a dia nas zonas de conflito. Muitos deles aparecem fazendo as coreografias típicas da rede social de vídeos curtos. Eles dançam em meio aos escombros de cidades devastadas, nos campos de batalha, nas trincheiras contra a ofensiva inimiga.
Alex Hook, combatente ucraniano na região de Donbass, usa o TikTok para mostrar à filha pequena que está vivo. Graças à tecnologia, suas postagens ganharam o mundo. Em um de seus vídeos mais famosos, ele faz o moonwalk, o passo de dança eternizado por Michael Jackson, nos anos 1980.
Em outra publicação, Hook e quatro companheiros de front fingem ser uma banda de rock. Fazem das metralhadoras e do lançador de mísseis instrumentos musicais e, ao som de Smell Like Teen Spirit, imitam o Nirvana.
O alcance do TikTok é tão grande, especialmente entre os jovens, como é a maioria dos combatentes, que, cerca de um mês depois da invasão, em um comunicado à nação, Zelensky apelou aos tiktokers civis: eles seriam uma força importante para acabar com os conflitos. Imediatamente, a rede foi tomada por vídeos com os horrores da ocupação.
“Uma coisa que podemos tirar do que está acontecendo na Ucrânia é que a guerra cibernética se tornou componente estabelecido do conflito global, tanto na batalha de propaganda quanto na condução real das operações militares”, lê-se em relatório da Check Point Research, empresa americana de cibersegurança. Cerca de 30% dos grupos criados nas redes sociais, nas zonas de conflito, são de convocação de hackers e profissionais de TI.
Até 23 de janeiro, a guerra havia feito cerca de 300 mil mortos. Dos quais, 180 mil russos, 100 mil ucranianos e 30 mil civis.