Ele odiava fotografia artística. Em sua visão, a imagem tinha que chocar, causar algum tipo de sentimento. Oliviero Toscani, fotógrafo italiano conhecido mundialmente por suas campanhas provocativas da marca Benetton, fez muita gente pensar.
No período em que trabalhou para a empresa de moda, entre 1982 e 2000 (e, mais tarde, entre 2017 e 2020), o fotógrafo não teve qualquer pudor em causar espanto à sociedade com suas imagens associadas à grife italiana. E com temas que transitavam pela anorexia, racismo, sexo, pena de morte e até religião, no período em que era o responsável pelas criações na Benetton. Na prática, ele pensava mais nas pautas sociais do que propriamente em moda.
Em sua longa trajetória de seis décadas de carreira, Toscani realmente chocou. Ele, que sofria de amiloidose, uma doença rara e incurável marcada pelo acúmulo de proteína em diversos órgãos, morreu na segunda-feira, 13 de janeiro, aos 82 anos.
Em uma das imagens mais emblemáticas, Toscani juntou três corações, em 1996. Sim, três órgãos do corpo humano. E escreveu na imagem, em cada um, as palavras White, Black e Yellow [branco, preto e amarelo]. A mensagem estava absolutamente clara. No canto direito, o slogan da companhia: “United Colors of Benetton”. Não precisava dizer mais nada.
"Ele foi uma bomba atômica no mundo da muda e do branding", diz Nizan Guanaes, da N.Ideias, ao NeoFeed, reverenciando o talento de Toscani. "Quando apareceu, ele virou senhor absoluto das atenções. Tinha ralento, coragem e um lindo apetite para risco."
O craque das lentes fotografou, certa vez, uma mulher negra amamentando uma criança branca e com um dos seios à mostra. O ano era 1989. Três anos depois, exibiu uma freira dando um beijo em um padre.
Também em 1992 produziu a campanha “Anjo e Diabo”, que trazia duas crianças se abraçando. Uma era uma garotinha loira e a outra, uma negra, com um penteado que simulava um chifre.
Toscani também teve a “audácia” de criar uma fotomontagem em que o então papa Bento XVI aparece beijando o Imã do Cairo Ahmed el Tayeb, em 2011. A peça fazia parte de uma campanha da Benetton contra o ódio com cenas criadas de beijos entre líderes mundiais e trazia, ainda, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, com o então presidente chinês Hu Jintao e o presidente da França Nicolas Sarkozy com a chanceler alemã Angela Merkel.
No caso da imagem de Bento XVI, a pressão política e eclesiástica foi enorme. O Vaticano chegou a ir à Justiça contra a propaganda, e emitiu comunicado condenando a iniciativa.
A Benetton retirou a peça publicitária do ar, mas foi bem mais direto para explicar, a quem não tinha entendido, o significado daquela imagem: “O sentido desta campanha é exclusivamente combater a cultura do ódio sob todas as formas.” Ainda assim, teve que pedir desculpas públicas à comunidade católica.
Para falar de anorexia, um assunto que sempre foi considerado um tabu, fotografou a modelo Isabelle Caro, em 2007, em uma campanha para a marca italiana No-l-ita. Com 25 anos à época, ela pesava apenas 31 quilos. Morreu três anos depois de sua imagem circular o mundo e causar o enorme impacto pretendido por Toscani. A doença marginalizada passou a ser assunto.
Na visão do fotógrafo, era dessa forma que ele levava a mensagem, prendendo a atenção do observador. Foi com esse formato que a Benetton ganhou relevância global, por apostar em transmitir uma informação que tivesse associada ao pensamento da marca, e não em apenas fazer propaganda de seus produtos.
Apesar da doença ter se agravado nos últimos anos, Toscani respondeu, em entrevista ao jornal Corriere della Sera, “não tenho medo de morrer, desde que não seja doloroso”. Ele, que nasceu em 28 de fevereiro de 1942, em Milão, revelou que sofria de amiloidose em agosto de 2024. Em um ano, perdeu 40 quilos.
Em sua página no Instagram, a marca de roupas italiana prestou uma homenagem ao fotógrafo, com uma imagem, feita pelo profissional, em 1989, que traz uma mão de uma pessoa negra segurando um ramalhete de flores de variadas cores.
“Para explicar certas coisas, palavras não bastam. Foi isso que você nos ensinou. Adeus, Oliviero. Continue sonhando.”