A resposta a essa pergunta, longe de ser resolvida com métodos estatísticos e previsões econômicas ou políticas, exigirá uma complexa estruturação do recém-lançado “Mercado de Carbono Brasileiro”, chamado de Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões – SBCE.
O novo Mercado de Carbono foi instituído no apagar das luzes de 2024, por meio da publicação da Lei Federal nº 15.042. Na prática, o sistema funcionará da seguinte forma: empresas que emitirem acima de 10.000 toneladas de Gases de Efeito Estufa – GEE por ano serão obrigadas a monitorar suas emissões e propor plano de mitigação. Sem muita complexidade. Obrigação de simples controle e reporte.
Já para as empresas que emitirem acima de 25.000 toneladas de GEE por ano a obrigação se amplia. Para essas, tais como siderúrgicas, cimenteiras e empresas de óleo e gás, caberá, além do monitoramento, a comprovação de que não emitem acima dos limites ou que realizam a devida “compensação”.
As regras do jogo serão detalhadas por meio do chamado “Plano Nacional de Alocação”, a ser elaborado por órgão gestor do SBCE, vinculado ao Governo Federal.
Neste plano será definido quanto cada empresa poderá lançar na atmosfera, isto é, quantas Cotas Brasileiras de Emissão (CBE) possuirá, sendo que cada cota representativa da emissão de uma tonelada de GEE. Inicialmente as CBEs serão emitidas gratuitamente e, após 3 anos, de maneira onerosa.
Para quem emitir GEE além das cotas, haverá duas possibilidades: comprar excedentes de empresas que tenham emitido menos do que as permissões recebidas ou adquirir créditos oriundos de projetos de redução de GEE, tais como os de reflorestamento. Nesse último caso, a compensação não ocorrerá por cota, mas pela emissão dos títulos chamados de Certificados de Redução ou Remoção Verificada – CRVE.
Em paralelo a esse sistema, permanecerão válidas as trocas do mercado voluntário, que existem hoje e seguem em expansão, com grande potencial de atração de investimentos para o Brasil.
Na prática, o mercado voluntário seguirá em aplicação, em âmbito nacional, para empresas que não forem obrigadas às regras do SBCE e/ou pretendam reduzir ou neutralizar suas emissões além dos limites legais. Também caberá para a “exportação” de créditos para atividades fora do território nacional.
Toda essa operacionalização ainda precisará de detalhamento e definições, por exemplo sobre como ocorrerá a precificação dessas cotas e dos certificados de redução. Ou seja, voltamos à pergunta central aqui, quanto custará emitir GEE acima dos limites definidos pelo Governo Federal?
O que já se pode prever é que esse valor será diretamente influenciado pela primeira fase de implementação do SBCE, por meio de sua regulamentação e relato de emissões.
Como qualquer mercado em formação, o equilíbrio entre oferta e demanda conduzirá à volatilidade dos preços. Havendo mais projetos de redução (para emissão dos Certificados) do que a necessidade dos créditos para compensação, o valor pode cair.
Da mesma forma, quanto maior o número de cotas comparadas às emissões, menor o seu valor, a exemplo do que aconteceu na União Europeia na primeira fase de seu sistema - “Emissions Trading System” – EU ETS -, entre 2005 e 2007.
Dada a complexidade e novidade do sistema, o que se pode afirmar é que a dinâmica de mercado será diretamente determinada por questões que não foram suficientemente tratadas na lei e pendem de regulamentação.
Dentre esses principais temas, destaca-se, por exemplo, a necessidade de delimitação dos gases que serão sujeitos ao controle (sendo o carbono um deles), bem como os afetados às obrigações, ou seja, se haverá recorte setorial, por grupos econômicos ou instalações individuais (unidades físicas). Quanto maior a abrangência, maior a demanda por cotas e certificados de redução.
Até agora, considerando a redação sancionada, apenas a atividade agropecuária e foi expressamente excepcionada da lei e, no caso da disposição final de resíduos sólidos, houve tratamento diferenciado, com inaplicabilidade dos limites de emissão quando o empreendimento comprovar que realiza a neutralização de suas emissões.
Além desses pontos, ainda não foi previsto como será a delimitação das metodologias de geração de crédito aceitas pelo SBCE. Caso se permita, por exemplo, a emissão de créditos a partir de projetos de energia renovável, a amplitude das atividades sujeitas à compensação será muito significativa, aumentando a oferta de permissões.
Outra questão relevante será a definição de qual o percentual máximo de emissões será permitido no sistema. Isto é, quanto cada parte submetida ao SBCE poderá emitir acima das cotas que possuir. O valor usualmente praticado nos sistemas mundiais é de 10% a 15%, mas durante a tramitação da lei no Congresso cogitou-se o patamar mínimo de 25%.
Esses aspectos, somados a tantos outros desafios relacionados à governança e fiscalização indicam o alto nível de complexidade para a regulamentação, o que exigirá o envolvimento dos afetados com a finalidade de contribuir para a construção dessa sistemática completamente nova no Brasil, com alto custo envolvido com risco de prejuízo à competividade nacional e a viabilidade de atuais e novos projetos.
A sustentabilidade e o enfrentando das questões ambientais e climáticas deixou de ser assunto do futuro e tornou-se a pauta do dia, mas precisa ser tratada com a lucidez e equilíbrio necessários para que o novo sistema não esteja fadado ao insucesso antes mesmo de ser iniciado.
*Luciana Gil e Patrícia Mendanha Dias são sócias-conselheiras da área Ambiental e Mudanças Climáticas do Bichara Advogados