Em abril de 2011, ia ao ar pela HBO, nos Estados Unidos, o primeiro episódio de “Game of Thrones”, uma aventura baseada nos livros do escritor americano George R.R. Martin. A série mostrava a disputa pelo Trono de Ferro na terra de Westeros, uma batalha sangrenta recheada com muita intriga política, dragões guerreiros e personagens fantásticos.
“Game of Thrones” (ou apenas GoT) marcou uma mudança no gosto e na forma de consumir séries. Até GoT vir à luz, histórias fantásticas eram tidas como secundárias ou meramente infanto-juvenis. As cenas de sexo e violência narradas por Martin nos livros, e exploradas na série televisiva, elevaram a temperatura e a faixa etária do público.
“Martin tirou dos adultos a vergonha de curtirem fantasia”, diz Reinaldo José Lopes, doutor em língua e literatura inglesa e pesquisador em literatura fantástica. “Nada se comprara ao impacto de ‘GoT’. Isso se dá sobretudo pela maneira de repensar a narrativa de fantasia, de uma fórmula mais escapista e ingênua, para uma sombria, niilistas, cheia de cenas de sexo, realpolitik e maquiavelismo.”
Uma década depois, a fantasia de GoT, que ganhou 59 prêmios Emmy, um dos mais prestigiados da televisão, parece que não vai ter fim. Em primeiro lugar, porque Martin não terminou os sete livros que se propôs a escrever. Até hoje, foram publicados cinco volumes da série “A Guerra dos Tronos: Crônicas de Gelo e Fogo”.
Até 2019, os cinco volumes venderam 90 milhões de exemplares no mundo inteiro e a obra foi traduzida para 47 idiomas. Isso fez de Martin, de 72 anos, um dos autores mais prósperos do mundo. Os leitores esperam ansiosamente pelos dois volumes finais. E o temor de alguns é que nunca venham sejam lançados.
A HBO, por sua vez, espera seguir faturando alto com o GoT. Tanto que a dupla de produtores David Benioff & D.B. Weiss, que esteve por trás dos 73 episódios que foram ao ar em oito temporadas, está à frente de quatro spin offs, séries com histórias paralelas à principal, para assim dar continuidade ao êxito comercial.
Elas fazem parte de uma série de histórias paralelas a “GoT”, sobre o clã Targaryen, intitulada “Fogo e Sangue”. São elas “House of the Dragon” (A Casa do Dragão), “9 Voyages” ou “Sea Snake” (9 Jornadas ou Serpente do Mar), “Flea Bottom” (O Fundo da Pulga) e “10,000 Ships” (10 Mil Navios).
Na verdade, essas séries são chamadas de “prequels” – de onde surgiu o neologismo “prequela”, ou antecedente do entrecho principal. “A Casa do Dragão” se passa 300 anos antes das ações da série principal e narra a história da guerra civil que conduz a casa de Targaryen ao Trono de Ferro.
Uma aventura marítima a bordo do navio Serpente do Mar é o tema de “9 Jornadas”. Seu protagonista é lorde Corlys Velaryon, chefe da Casa Velaryon e marido de Rhaenys Targaryen. “O Fundo da Pulga” é ambientado no bairro pobre de King’s Landing, a capital de Westeros. E, por fim, “10 Mil Navios” acompanha a aventura da princesa Nymerya em sua viagem de Rhoynar ruma a Dorne para se casar com lorde Mors Martell.
Não há datas marcadas para a première de nenhum desses spin offs. E a expectativa é que possam repetir o sucesso da série original, arrebatando milhões de espectadores e arrecadando bilhões de dólares.
Não será uma missão fácil. GoT teve um custo total de produção estimado em US$ 1,5 bilhão, batendo o recorde em orçamento na história da televisão paga. O retorno foi uma receita líquida de US$ 3,1 bilhões, isso só em assinaturas, segundo o site Finance Monthly. Somente o último episódio da oitava temporada, que foi ao ar em maio de 2019, contou com 19,3 milhões de espectadores nos Estados Unidos.
“O dinheiro para criar uma série desse porte atingiu um nível inédito”, diz o crítico Roberto Sadovski. “A HBO lidou com ‘GoT’ como se estivesse trabalhando em uma produção para cinema. Dessa forma, a linha que separava ‘cinema e ‘TV’, que já era tênue, foi definitivamente apagada. Acredito que o investimento milionário em séries de streaming hoje seja consequência do sucesso de ‘GoT’.”
Mas será que o gênero fantástico, que conquistou milhões de corações, terá musculatura para resistir ao gosto do público? Os canais de streaming, inspirados e liderados pela HBO, avaliam que ainda haverá muitas histórias para arrebatar milhões de espectadores.
Apesar de alguns críticos afirmarem que a série “definiu uma nova era para a televisão”, como o americano Cole Henry, do diário digital Nonfics, outros são mais céticos. É o caso de Sadovksi.
“Sempre que um produto explode na atmosfera pop, seu barulho é proporcional a seus seguidores”, diz ele. “Depois de GoT, assim como em “O Senhor dos Anéis” no começo do século, o interesse em fantasia experimentou um inchaço, que pode ser visto em produções como “The Witcher” e “Shadows and Bones”.
O crítico diz que essas séries não são iguais a ‘GoT’, mas apelam para um público similar. “O problema é o de sempre: parece que estamos vendo o time reserva em campo, esperando a volta da equipe principal.”
Parafraseando “Game of Trones: será que o inverno chegou às séries de fantasias e ao próprio GoT? A resposta só será conhecida quando as continuações chegarem às telas dos fãs e os livros de Martin, enfim, foram publicados.