Há duas semanas, uma moça para quem dou mentoria surpreendeu-me com uma decisão cada vez mais comum entre jovens executivos em início de carreira: estava realmente decidida a abandonar um dos mais disputados programas de trainee do mercado. A despeito de ser uma de suas promissoras estrelas, segundo avaliação do próprio empregador.

Não, sua saída nada tinha a ver com remuneração. Tanto que sequer abriu negociação para ficar. Decorreu do que ela mesma classificou como uma “incompatibilidade de valores.

Nos pouco mais de seis meses em que integrou o seleto time de gerentes trainees, ela percebeu que seria menos feliz atuando numa companhia que, em suas palavras, “tratava com desleixo a diversidade, aceitava o comportamento tóxico de alguns líderes e não tinha uma visão de mundo clara, para além da ideia de ganhar dinheiro”.

Ao ouvir a justificativa da jovem gestora, não pude deixar de lembrar do bom e velho Charles Handy, autor do famoso “Espírito Ávido” (1997) e importante referência no meu primeiro livro, “Conversas com Líderes Sustentáveis” (2011).

Nessa que se tornou uma de suas obras mais contundentes, sobretudo, profética em vários aspectos, o consultor inglês já escrevia que “o dinheiro tornou-se uma medida demasiado grosseira” para definir o conceito de sucesso. E que as pessoas quererão, cada vez mais, oferecer, por meio de suas carreiras, “uma contribuição especial ao mundo.”

Entendo que alguns dos leitores desse artigo terão dificuldade de compreender a decisão da moça. Acharão, provavelmente, tanto ela quanto Handy, algo ingênuos.

Fato é que, ao contrário de outros tempos, salários gordos não têm sido mais suficientes para prender jovens profissionais (os tais “espíritos ávidos”) a empresas que, descuidadas na construção de uma cultura de valores, insistem em negar-lhes a plena possibilidade de realização de um propósito.

Os millenials pensam diferente da geração de babyboomers, que aceitava, com alguma resignação, a ideia da felicidade a prazo (ganha-se dinheiro agora para desfrutar da vida 30 anos depois). Querem trabalhar em organizações que proporcionem felicidade à vista. E têm poder de sobra para pressionar uma mudança nas corporações.

Representam hoje 35% da força de trabalho mundial. Movimentam cerca de US$ 40 trilhões por ano. E, ao que parece, já se decidiram em que empresas querem trabalhar e investir. E de quais desejam comprar produtos e serviços: as mais orientadas por valores e propósito, as mais sustentáveis.

Os millenials pensam diferente da geração de babyboomers, que aceitava, com alguma resignação, a ideia da felicidade a prazo

Antes considerados um detalhe diferencial em culturas empresariais familiares, os valores ganharam peso estratégico. Tornaram-se atributos imprescindíveis nesses tempos de employer branding.

Isso explica por que, 30 anos depois, o autor deste artigo, que já foi censurado por suas inclinações idealistas, tem sido contratado para falar às jovens lideranças que seus valores pessoais são muito bem vindos nas organizações.

Com base em experiência vivida, arrisco afirmar aqui que a ascensão dos valores – nos termos em que vem ocorrendo nas empresas — não apenas reumanizará os negócios. Mas contribuirá também para uma reflexão, mais do que necessária, sobre os limites éticos de um sistema econômico com falhas já reconhecidas. Que gera riqueza, mas esgota recursos naturais, trata gente como mero recurso, produz mudanças climáticas e desigualdade social.

Receio que você, caro leitor, não verá, neste final de ano, em nenhum blog ou revista de negócios, nada sobre a importância dos valores para a construção de uma carreira. Não porque esse não seja um assunto relevante. Mas porque editores viciados em novidade o consideram menos atrativo na comparação com aqueles que abordam as projeções futuristas ou das tecnologias, sempre tão exuberantes em seus mistérios e possibilidades.

Afinal, por que escrever sobre “velhas” virtudes aristotélicas se todo mundo (?) parece querer saber sobre o impacto das tecnologias no futuro do trabalho?

Qualquer que seja a bola da vez, indústria 4.0 ou 5.0, ou um mundo comandado por empreendedores do Vale do Silício ou por robôs, hoje, a ascensão de valores cria oportunidades para quem tem crenças firmes e pauta sua vida por elas.

Tendem a ser mais valorizados, por exemplo, os jovens profissionais que fazem ou já fizeram trabalho voluntário. Porque exercitaram empatia, solidariedade, escuta ativa e interesse pelo outro.

Ou os que adotam a diversidade como princípio. Que convivem bem com a divergência de opiniões, evitam julgamentos baseados em preconceitos e consideram a transparência um valor importante.

Tendem igualmente a ser mais reconhecidos os que se indignam contra qualquer forma de desperdício. De tempo, energia, água e outros recursos naturais. Os que compreendem que a atividade empresarial gera impactos socioeconômicos negativos. E que é seu dever reduzi-los ou eliminá-los. Os que acreditam que o melhor tipo de lucro é aquele que vem em benefício da sociedade e do Planeta. Não em seu prejuízo.

Hoje, a ascensão de valores cria oportunidades para quem tem crenças firmes e pauta sua vida por elas

Formação acadêmica e habilidades pessoais são e, claro, seguirão sendo fundamentais para o sucesso profissional. Mas os valores que formam o caráter, a atitude, o propósito e a maneira como você encontra significado em seu trabalho, terão impacto cada vez maior.

Saber ser é, portanto, tão importante quanto saber fazer. Estamos entrando na era em que valores geram valor econômico. Escolha “saber ser” já a partir do primeiro dia de 2020.

*Ricardo Voltolini foi um dos primeiros consultores de sustentabilidade empresarial no Brasil e especialista em liderança com valores. Autor de nove livros, entre os quais se destaca “Conversas com Líderes Sustentáveis – O que aprender com quem fez ou está fazendo a mudança para a sustentabilidade”, publicado pela Editora Senac São Paulo. É professor de Sustentabilidade convidado da Fundação Dom Cabral e do ISAE/FGV (Curitiba)

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