Conhecida do público brasileiro a partir da pandemia da Covid-19, com a distribuição no País da vacina produzida em parceria com a Universidade de Oxford, a gigante farmacêutica AstraZeneca vive hoje um paradoxo no Brasil: de um lado, amplia o mercado por meio do Farmácia Popular, enquanto assiste à demora do governo no registro de novos medicamentos.

A companhia anglo-sueca, que tem sede em Cambridge, vem expandindo no País com o lançamento de medicamentos inovadores, principalmente em oncologia, doenças raras e biofármacos. Mas há uma barreira para este crescimento, que está no próprio governo federal. E isso é um problema para o setor farmacêutico brasileiro.

Atualmente, há pelo menos 67 medicamentos inovadores no Brasil, de várias companhias, que já foram aprovados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), mas que ainda não tiveram seus protocolos de tratamento liberados, o que, na prática, impede a comercialização.

Desse total, quatro são da AstraZeneca, principalmente da área oncológica (câncer de pulmão e câncer de ovário). Hoje, a companhia tem 25 medicamentos disponíveis no mercado brasileiro e, nesta conta, entre sete e 10 medicamentos estão incorporados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

“A Conitec tem olhado só pelo tema do impacto orçamentário e há outros fatores que precisam ser observados. Há muitos medicamentos sendo negados e com compras postergadas pelo governo. Isso é um problema”, diz Olavo Corrêa, presidente da AstraZeneca Brasil, em entrevista ao NeoFeed.

Essa demora, na avaliação do presidente da AstraZeneca, interrompe o ritmo do acesso da população ao medicamento, ainda que seja preciso pagar para obter o produto. Segundo estudo do governo, 75% das pessoas dependem exclusivamente do SUS, o que representa um contingente de 160 milhões de um total de 213 milhões de habitantes.

De qualquer forma, o executivo diz que a AstraZeneca tem contribuído nessa discussão junto ao poder público. A empresa realizou um estudo em 2023, junto com Fundação Getúlio Vargas (FGV), para entender quais seriam as principais recomendações para um sistema público mais sustentável.

“Fizemos 40 recomendações naquela época, e, neste ano, evoluímos com este tema, falando de saúde pulmonar. Mostramos que, com investimentos na prevenção, é possível diminuir esse custo. Essa discussão já existe, mas ainda há um caminho longo”, afirma o CEO.

Olavo Corrêa, CEO da AstraZeneca Brasil
Olavo Corrêa, CEO da AstraZeneca Brasil

Isso não impede, no entanto, a companhia de realizar investimentos em pesquisas clínicas para novos medicamentos. No Brasil, a AstraZeneca aporta cerca de R$ 300 milhões em pesquisa e desenvolvimento.

“Com uma das populações mais diversas no mundo, o Brasil é um país importante para pesquisas. São pelo menos 100 ensaios clínicos, com diversos parceiros, que integram a companhia global”, afirma Corrêa.

Até 2030, a empresa esperar lançar 20 medicamentos globalmente, incluindo o mercado brasileiro.

Presença no Farmácia Popular

A partir de fevereiro deste ano, o medicamento Forxiga, que tem a dapaglifozina como princípio ativo e é indicado para tratamento de diabetes tipo 2, passou a integrar a prateleira dos remédios oferecidos gratuitamente à população com mais de 65 anos, pelo programa Farmácia Popular. O governo subsidia o valor do medicamento e repassa à companhia.

O preço máximo do produto comercializado nas redes de farmácias, segundo dados da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed), é de R$ 252,36. Neste caso, o governo federal paga cada caixa do Forxiga a R$ 119.

“Essa inclusão foi bem importante para a empresa. A população, de uma forma geral, precisa muito desse apoio. Quanto mais a gente tiver um modelo sustentado pelo governo, com medicamento de graça, melhor para a sociedade”, diz Corrêa.

Dessa forma, a farmacêutica passa a entrar na disputa por parte do orçamento de R$ 4,2 bilhões do Farmácia Popular, previsto para este ano. Hoje, são 41 medicamentos distribuídos de graça pelo modelo.

Antes de ser totalmente subsidiado, o medicamento já estava listado no modelo de coparticipação do Farmácia Popular, em que o paciente pagava uma parte e o SUS, outra. Em média, saía do bolso do consumidor algo em torno de R$ 90.

A entrada no programa federal gratuito fez com que a companhia aumentasse a produção local. Do volume mensal de 1,5 milhão de caixas de Forxiga produzidos pela companhia, 1,1 milhão são destinados ao Farmácia Popular. Os outros 400 mil saem por meio das redes privadas de drogarias.

Globalmente, a AstraZeneca alcançou faturamento de US$ 54 bilhões em 2024. No primeiro semestre deste ano, a companhia chegou a US$ 28 bilhões, com um crescimento de 11%.

No Brasil, que integra o top 10 dos mercados da companhia, a receita anual gira em torno de US$ 1,4 bilhão, o que equivale a 2,5% do total. E, no mercado brasileiro, a empresa tem registrado um crescimento acima da média global.

“Hoje, o Brasil cresce dois dígitos altos, entre 22% e 28%. E, quando olhamos para a concorrência local, a AstraZeneca é uma das que mais registra elevação no mercado, sempre entre os dois primeiros lugares quando olhamos as multinacionais”, explica.

“E essa ampliação do acesso, na rede pública, tem nos ajudado a virar esse jogo. Não crescemos somente neste remédio, mas em várias áreas”, afirma o executivo.