As turbulências que sacudiram os bastidores do GPA nos últimos meses — incluindo a mudança no bloco de controle e a troca de CEO — também envolveram de forma intensa os membros do Conselho de Administração, reformulado duas vezes entre maio e outubro.
Dados da CVM compilados pelo NeoFeed revelam que, desde abril, pouco antes da definição do primeiro Conselho, até setembro, o board movimentou R$ 403,6 milhões em negociações envolvendo as ações da própria companhia.
Foram 193 operações nesse período, incluindo compra à vista, a termo, compra de opções de compra, venda à vista, além de contratação e devolução de empréstimos de ações, tanto como tomador quanto locador. A maior parte se concentrou em maio, após a definição do novo conselho, quando foram reportadas 55 operações, e em agosto, quando foram feitas 65.
Dos 128 pregões entre abril e setembro, em 89, os membros do Conselho negociaram ações da própria companhia ou seus derivativos. Entre abril e agosto – período que concentrou o maior número de negociações –, o conselho só não esteve presente em 20 dos 106 dias de pregão.
Não é possível concluir quais ou mesmo quantos conselheiros participaram das operações. Ao todo, as compras à vista e a termo somaram R$ 181 milhões, com cada ação saindo a um preço médio de R$ 3,23. Já as vendas, que totalizaram R$ 166,5 milhões, saíram a um preço médio de R$ 3,37.
Foram vendidas 49,39 milhões de ações entre maio e setembro. Considerando a diferença do preço médio em relação às compras, o Conselho teria auferido um lucro de R$ 7,14 milhões em negociações envolvendo os papéis da própria companhia. Mas o valor pode ser ainda maior, considerando as operações com derivativos.
Em agosto, por exemplo, o Conselho do GPA gastou R$ 2,22 milhões em opções de compra com vencimento em 19 de setembro. Na data, as ações do GPA variaram entre R$ 4,06 e R$ 4,18, e fecharam a R$ 4,12.
Considerando o volume de opções adquiridas pelo conselho, os prêmios pagos por elas e o preço de exercício, se exercidas e vendidas ao preço do fechamento, teriam gerado um lucro adicional de R$ 4,38 milhões. Não há, contudo, evidências de que as opções tenham sido executadas, uma vez que, no relatório de setembro, elas aparecem como posições ativas na carteira do Conselho, mesmo após a data de vencimento.
Entre abril e setembro, o Conselho também realizou 40 operações de contratação ou devolução de empréstimos de ações. Ao todo, foram tomados como aluguel 8,44 milhões de ações e devolvidas 6,25 milhões.
Esse tipo de operação pode ser feita tanto para aumentar o número de votos em assembleias quanto para montar posições vendidas, em que se lucra com a queda das ações. Embora a lealdade dos conselheiros à empresa seja exigida pela Lei das S.A., não há nenhuma regra interna ou externa que os proíba de ficar vendido na própria empresa.
Também foram feitas 26 operações de contratação e devolução de aluguel de ações como locador, em que o dono das ações cede os próprios papéis em troca de uma remuneração fixa. Foram 305.197 ações locadas durante esses seis meses, e todas foram devolvidas até o fim de setembro.
De acordo com fontes do NeoFeed, ao menos parte das contratações de aluguel de ações e das compras de ações por parte do Conselho teve relação com a disputa pelo controle da empresa, que ficou com a família Coelho Diniz.
Um dos maiores compradores do conselho do GPA foi André Coelho Diniz, atual presidente do conselho e membro do bloco de controle formado junto a seus familiares.
Entre as assembleias que marcaram a primeira mudança do Conselho do GPA, em 5 de maio, e a segunda, em 6 de outubro, André Coelho Diniz aumentou sua participação de 16,7 milhões de ações para 24,5 milhões. O montante é equivalente a 4,99% da empresa, abaixo do limite de 5% que tornaria públicas as movimentações envolvendo as ações do GPA.
André Coelho Diniz, junto com seus familiares Alex Coelho Diniz, Fábio Coelho Diniz, Helton Coelho Diniz e Henrique Coelho Diniz, são parte do bloco de controle, com 4,925% das ações cada – perfazendo 24,625% da empresa, cerca de 4,2% a mais que o Casino. Desses nomes, no entanto, somente André Coelho Diniz fazia parte do Conselho do GPA no período das negociações.
Já as maiores vendas partiram de Ronaldo Iabrudi dos Santos Pereira, que reduziu sua posição de 14,77 milhões de ações para 6,2 milhões entre as duas assembleias.
Outra movimentação relevante envolvendo o Conselho da empresa partiu de Rafael Ferri, que, na época da primeira assembleia para mudança do board, detinha 26,99 milhões de ações.
Ferri já havia expressado o desejo de entrar para o Conselho por meio de postagens nas redes sociais em que recomendava o investimento na empresa e pedia votos para seus seguidores para emplacá-lo no board junto com um “parceiro de renome”, que é Edison Ticle.
Com mais de 5% das ações do GPA e apoio de minoritários, Ferri conseguiu assegurar sua vaga no Conselho com o maior número de votos da assembleia realizada em 5 de maio. No entanto, após utilizar as ações para votar em si próprio e em Ticle, Ferri enviou um comunicado ao GPA afirmando ter reduzido sua posição para 2,73% da empresa.
O resultado da assembleia foi arquivado pelo GPA na CVM às 15h04 do dia 5 de maio, e o comunicado sobre a redução da participação do Ferri, às 20h40. A empresa divulgou o balanço às 19h55, já após o encerramento do pregão.
No dia seguinte à assembleia e divulgação do balanço, as ações da empresa desabaram 20,21%. Além da reação ao resultado, a movimentação teve relação com a redução da participação da Trustee, relacionada a Nelson Tanure, para abaixo de 5%, informada à empresa na manhã do dia 7 de maio.
De acordo com a Resolução CVM 44, os membros da administração, que incluem os conselheiros, são impedidos de negociar ações da companhia 15 dias antes da divulgação de balanço ou qualquer outro ativo a elas referenciado. O prazo exclui a data da publicação do resultado, mas os negócios só podem ser realizados nesse dia após a referida divulgação.
Desde que reduziu sua posição, Ferri não voltou a ter mais de 5% das ações da empresa. Embora suas negociações tenham se tornado sigilosas, o investidor chegou a negociar as ações da empresa de modo que, em 6 de outubro, data da assembleia que redefiniria o Conselho pela segunda vez no ano, Ferri detinha 20,35 milhões de ações, o equivalente a 4,15% do total.
A assembleia que definiu o conselho do GPA pela segunda vez no ano foi feita a pedido da família Coelho Diniz, que havia aumentado sua participação nos meses anteriores e buscava refletir seu maior poder na empresa dentro do board.
Ferri e Ticle foram incluídos na chapa sugerida pela família Coelho Diniz para assumir o conselho da empresa. Mas os acionistas optaram pela opção de votos múltiplos, em que cada ação deu direito a nove votos (1 para cada vaga no conselho), com os mais votados se elegendo.
Nessa votação, porém, Ferri não conseguiu votos suficientes para se eleger, sendo o menos votado entre os 11 candidatos, deixando o conselho da empresa. Nem mesmo ele votou em si próprio, utilizando todas as suas ações para manter Edison Ticle, que terminou a assembleia como o mais votado, com 492,35 milhões de votos. A quantidade foi de 127,8 milhões de votos a mais que o segundo colocado, Marcelo Ribeiro Pimentel, que era presidente da companhia desde março de 2022 e deixou o comando na semana passada.
Além de Ferri, também deixaram o Conselho do GPA Líbano Miranda Barros, Ronaldo Iabrudi dos Santos Pereira e Sebastián Dario Los. Os três, no entanto, não se candidataram à reeleição.
Questionada sobre as movimentações do Conselho do GPA, a CVM afirmou que não comenta casos específicos, mas que “acompanha e analisa informações e movimentações no âmbito do mercado de valores mobiliários brasileiro, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário” e que as condições de venda por parte do Conselho são previstas no artigo 155 da Lei das S.A. e na Resolução CVM 44/21.
O GPA, a família Coelho Diniz e Rafael Ferri não responderam aos questionamentos da reportagem. Ronaldo Iabrudi Pereira não foi encontrado e não respondeu as mensagens enviadas às suas redes sociais.
