A B3 submeteu à audiência restrita as propostas de mudanças no regulamento do Novo Mercado, segmento de listagem com as mais rígidas exigências de governança corporativa. O texto final, divulgado noite de terça-feira, 18 de março, será votado pelas empresas do Novo Mercado entre os dias 1º e 30 de abril.

É necessário o apoio de dois terços para que as propostas sejam validadas. Caso aprovadas, elas passam pelos órgãos internos da B3, como o Conselho de Administração, e são encaminhadas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Só após o aval do órgão regulador, passam a vigorar. A B3 espera que todo o processo seja concluído ainda neste ano. A partir daí, as companhias terão prazos de adaptação para se adequar às novas regras. 

As mudanças foram debatidas com as empresas ao longo dos últimos dois anos, tendo como pano de fundo a fraude da Americanas. Embora a rede varejista estivesse nesse segmento de listagem, ela surpreendeu o mercado ao revelar um esquema de fraude contábil. Os debates para o aprimoramento das regras foram feitos por meio de reuniões presenciais e consultas públicas.

A versão final do regulamento foi dividida em três blocos. Um deles é o texto-base, que reúne as propostas com maior consenso entre as companhias. Já os dois pontos que geraram maior discussão – a declaração do CEO, CFO e do diretor de governança (se houve) sobre os controles internos e o Novo Mercado Alerta – serão votados separadamente.

"A gente só incorporou ao texto-base às propostas que cumprem a regra de aprovação, que é a não rejeição por um terço das companhias listadas. É um pouco jogo de xadrez", afirma Flávia Mouta, diretora de emissores da B3, sobre a estratégia de dividir as propostas para votação.

Ponto mais criticado pelas empresas durante conversas com a B3, o Novo Mercado Alerta é um mecanismo que prevê a notificação dos investidores quando a companhia enfrentar situações críticas.

Os alertas, segundo a proposta final, deverão ser feitos nos seguintes casos: atraso na publicação de balanços por mais de 30 dias; parecer do auditor independente com ressalvas, abstenção de opinião ou opinião adversa; erro material nas demonstrações financeiras;  e pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, ou procedimento equivalente em outro país.

As circunstâncias já estavam previstas durante as consultas públicas. Após debate com as companhias, no entanto, a B3 retirou da lista situações consideradas subjetivas, como mudanças relevantes na estrutura de controle e sinais de dificuldades financeiras graves.

Já a proposta que exige que o CEO e o CFO atestem os controles internos inicialmente previa a anuência de um auditor independente, como ocorre nos Estados Unidos. Mas essa exigência foi retirada após as empresas criticarem o custo extra que teriam com auditoria.

"A ideia nunca foi impor algo de cima para baixo, mas sim construir um regulamento que fizesse sentido para todo mundo. Fomos ajustando, ouvindo, testando hipóteses, reduzindo o que gerava mais insegurança e tentando acomodar o máximo possível sem perder a essência do que a gente acredita que melhora a governança", diz Mouta.

Conselho, denúncias e processos

No texto-base, em que foi concentrado os pontos de maior anuência, foram feitas 23 propostas. Entre as principais mudanças sugeridas estão uma maior flexibilidade no uso de câmaras de arbitragem e a imposição de um limite máximo de 12 anos para o cargo de conselheiro independente. A proposta também elevou de 20% para 30% o número mínimo exigido de membros independentes no conselho administrativo.

Caso aprovado o texto-base, as empresas também passarão a ter que publicar anualmente o número de denúncias recebidas e sanções aplicadas. A proposta original previa também a divulgação da natureza das denúncias, mas a B3 decidiu retirar esse ponto, argumentando que, em alguns casos, poderia "beirar o limite da individualização".

"Achamos por bem retirar dos requisitos mínimos a questão da natureza das denúncias", afirma Fernando de Andrade Mota, superintendente de mercado para emissores da B3.

Foi também retirada a obrigatoriedade de padronização na forma como as denúncias são divulgadas. Caberá a cada empresa decidir onde publicá-las, seja no formulário de referência, seja em outros relatórios já utilizados para esse fim. Segundo a B3, como a maioria das companhias já adota métodos próprios, a flexibilização evita duplicidade de informação.

"A lógica aqui é que, à medida que as empresas vão divulgando ano a ano, a gente começa a ter uma sequência histórica, e isso permite que o investidor e o próprio mercado consigam acompanhar se há uma tendência de melhora, de piora ou se o canal de denúncias está sendo efetivo ao longo do tempo", diz Mouta.

O texto-base também exige que o Comitê de Auditoria esteja previsto no estatuto social e que se encontre trimestralmente com os auditores independentes.

Outra mudança inserida é a maior flexibilidade no prazo de defesa para empresas responderem a processos da B3 por descumprimento das regras do Novo Mercado. O período mínimo para defesa será de 15 dias, mas poderá ser prorrogado mediante justificativa e aprovação da Diretoria de Emissores da B3.

O descumprimento dessas regras pode resultar em advertências, multas ou, em casos mais graves, na exclusão da empresa do segmento de listagem