A RD Saúde, fruto da fusão entre Droga Raia e Drogasil, em 2011, deu início à consolidação do varejo farmacêutico. Das 700 lojas e faturamento combinado de R$ 4,1 bilhões, a maior rede de farmácias do País chegou a 3.371 lojas, distribuídas em 642 cidades, em todos os estados do País, e uma receita de R$ 41,8 bilhões no ano passado.
No mercado de capitais, a companhia construiu sua reputação como ativo de qualidade e referência — não apenas no varejo. Entretanto, recentemente, a varejista deixou de figurar entre os papéis que invariavelmente “puxavam a fila” na B3.
Do pico de otimismo, em 5 de agosto de 2024, quando sua ação fechou em R$ 29,49, os papéis da RD acumularam queda de quase 40% até sexta-feira, 26 de setembro, segundo levantamento da consultoria Elos Ayta a pedido do NeoFeed.
Trata-se de uma perda de mais de R$ 20 bilhões em valor de mercado, que caiu para R$ 30,6 bilhões, num período em que a alta do Ibovespa foi de 16,9% e concorrentes tiveram desempenho superior — Pague Menos subiu 48,6% e Panvel avançou 0,4%.
“A RD é meio priced to perfection. Está sempre precificado que ela vai crescer muito”, diz Pedro Bruno, sócio e analista da área de renda variável da MAG Investimentos. “Qualquer deslize penaliza mais a empresa que seus pares. Agora, sua ação está sendo precificada com menos tolerância.”
O analista observa que a empresa sempre operou com valuation mais esticado que suas rivais, com múltiplo P/E [indicador de preço sobre o lucro] beirando 30 vezes, e que agora pode estar perdendo a “gordura adicional” que mantinha.
A visão de que a RD é vítima, em parte, da própria reputação é compartilhada por muitos no mercado. “Muitos viam a RD como um compounder, com crescimento constante, margens estáveis, baixo risco de execução e num setor mais imune ao macro”, afirma um gestor ouvido pelo NeoFeed.
Esse gestor, que sempre considerou a ação cara, chegou a avaliar montar posição após as quedas recentes, reconhecendo a qualidade da empresa. “Mas com tantos pratos girando, ainda não vejo uma assimetria clara”, diz ele.
Desafios
Não faltam “pratos” e “desaforos” a serem digeridos pela RD e pelos investidores. Alguns têm impacto imediato. Outros geram ruídos e aumentam a incerteza sobre o futuro da rede e do setor.
No curto prazo, o principal tema é a pressão competitiva na categoria HPC — higiene, cuidados pessoais, perfumaria e cosméticos — por plataformas de e-commerce que investem para crescer nesse segmento.
Segundo Bruno, essa linha representa quase um quarto do faturamento da RD e sofreu forte impacto das plataformas online, que tendem a ganhar espaço. Um relatório do BTG Pactual, divulgado em maio, apontou que o HPC já representa 6% das vendas totais do Mercado Livre, com expansão trimestral de 15%.
Essa questão, somada à desaceleração do crescimento em lojas maduras e ao reajuste abaixo da inflação dos medicamentos pela CMED, em março, afetou os resultados do primeiro trimestre.
O lucro líquido ajustado caiu 17,1% em base anual, para R$ 177,1 milhões, e o Ebitda recuou 5,26%, para R$ 644,1 milhões. A margem Ebitda caiu 1 ponto percentual, para 6%.
A consequência foi um recuo acentuado das ações após o balanço. Em dois dias, a RD perdeu R$ 5,8 bilhões em valor de mercado, com queda de 17% nos papéis.
No segundo trimestre, a RD apresentou indicadores acima do consenso de analistas, como lucro líquido ajustado de R$ 402,7 milhões, alta de 12,9% sobre o mesmo período do ano anterior. O resultado gerou reação positiva, mas não reverteu o cenário — no ano, as ações acumulam queda de 18,2%.
Com ajuste de despesas, a RD sinalizou que está lidando com a pressão no HPC, mas indicou que a contribuição da categoria pode não ser mais a mesma.
“Parece que a RD encontrou um pricing point e já não perde tanta venda nesse canal. Mas isso vem com custo de margem”, diz um gestor. “Ela precisou baixar preços para manter participação. É uma venda menos rentável.”
Novas ameaças
No médio e longo prazo, surgem novas frentes de concorrência, com receios de que outros players ocupem espaço antes exclusivo das farmácias.
Uma das ameaças são os supermercados. Em 17 de setembro, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou a venda de medicamentos no setor, com instalação de farmácias completas nas lojas. O parecer seguiu para a Câmara dos Deputados.
“A princípio, o Assaí deve entrar com força no segmento”, diz Danniela Eiger, da XP Investimentos. “As farmácias independentes e redes menores estão mais expostas, mas tudo depende da agressividade do Assaí em relação a preços.”
Outro ponto de interrogação é o Mercado Livre. Além da concorrência em HPC, a gigante do e-commerce anunciou a aquisição da Target, farmácia da Memed, startup da DNA Capital, que tem a família Godoy Bueno como investidora, em setembro deste ano.
“O Mercado Livre tem desafios em marca, logística e regulação, mas é um player disruptivo, o que gera incerteza sobre seus planos e ritmo de expansão”, diz Bruno, da MAG Investimentos.
Segundo ele, um risco para a RD é o ponto de partida da estratégia do Mercado Livre. “Embora seja nacional, a RD é mais concentrada no Sudeste. E pode ser que o Mercado Livre comece justamente por essa região, onde tem logística mais eficiente. Ou seja, pode começar brigando no coração da RD.”
Essas questões pressionaram as ações e a perspectiva da RD. Mas, analisadas a fundo, analistas e gestores concluem que a empresa tem desafios, mas também capacidade para enfrentá-los.
O histórico de execução, as bandeiras consolidadas entre os consumidores, a presença no Sudeste (onde estão 57% das lojas) e o avanço digital deixam a RD preparada para competir, mesmo cedendo em algumas frentes, como no HPC.
Ainda assim, o cenário exige que a empresa se mantenha na vanguarda. Os múltiplos podem ter recuado — o Santander estima P/E de 23,4 vezes para este ano e 18,3 vezes para o próximo —, mas a ação ainda é considerada cara. E a paciência com o varejo está curta.
“A RD precisa mostrar consistência em crescimento e estabilidade de margem, executando a estratégia e enfrentando as ameaças”, diz outro gestor.
“Isso é essencial num momento de escassez no mercado de capitais. Os resgates estão intensos, e as casas estão atentas aos resultados trimestrais. Se perder o timing, zeram a posição. A paciência está curta”, acrescenta.
Procurada pelo NeoFeed, a RD afirma, em nota, que a queda das ações pode ser explicada "por várias questões, entre elas a alta dos juros e a saída de investidores estrangeiros da bolsa brasileira (a maior parte da base de acionistas da RD Saúde)".
"Os resultados da empresa mostraram trajetória ascendente do segundo trimestre deste ano, quando a empresa foi inclusive capaz de superar o consensus de mercado para seus números. As ações de pares de mercado foram menos afetadas, mas isso pode ser explicado porque as bases de comparação, tanto no preço das ações quanto na operação, são mais baixas", diz trecho da nota.
Sobre HPC, a companhia informa que vem trabalhando para voltar a acelerar o crescimento das vendas e que "vem trimestre a trimestre recuperando o crescimento".
A RD afirma ainda que o projeto sobre farmácias em supermercados "está em linha com o que acreditamos e também com o que já se aplica a qualquer farmácia" e que, no caso do avanço de players digitais no segmento, caso do Mercado Livre, "não existe gargalo de acesso a medicamentos, escassez de oferta ou fricção por prazo de entrega que um player digital precise sanar".
Além disso, "a operação [de farmácia] requer a existência de uma capilaridade física de lojas", o que a empresa possui. "Sem isso, não existe entrega rápida em escala nacional", diz trecho da nota.