Em 10 de novembro de 2022, Sam Bankman-Fried, fundador da FTX, publicou uma sequência de tuítes explicando como estava tentando salvar a exchange de criptomoedas de uma iminente falência. A série veio acompanhada de um mea culpa, sem meias palavras: “Eu f*di tudo. E deveria ter feito melhor”.

Prestes a completar um ano dessa “confissão”, o empreendedor americano vai ter uma nova chance de explicar seus erros. Mas, dessa vez, terá que recorrer a argumentos muito mais elaborados, sob o risco de ser submetido a uma pena muito mais dura do que os eventuais veredictos das redes sociais.

Longe da internet, seu novo e verdadeiro julgamento terá início nesta terça-feira, 3 de outubro, em um tribunal de Manhattan, nos Estados Unidos. No banco dos réus, Bankman-Fried estará na mira de sete acusações, em um pacote que inclui desde lavagem de dinheiro até fraude contra credores, investidores e clientes da FTX.

O número em questão está ligado a questões que vieram à tona logo após as postagens do agora acusado. De uma crise de liquidez, o caso da FTX evoluiu para um caso muito mais intrincado e que já foi apontado por promotores do país como “uma das maiores fraudes financeiras da história americana”.

Na prática, diversas evidências apontaram para uma trama fraudulenta cujo fio condutor foi a transferência de bilhões de dólares de clientes que estavam sob a gestão da FTX para a Alameda Research, uma empresa ligada à exchange e ao seu fundador.

Tais recursos teriam sido aplicados em diferentes frentes. Desde empréstimos a executivos da FTX e investimentos de risco até imóveis de luxo, doações a políticos e campanhas de marketing.

Essa última frente envolveu ações estreladas por nomes como a brasileira Gisele Bündchen, seu ex-marido Tom Brady e Stephen Curry, astro do Golden State Warriors e um dos principais jogadores da NBA, a liga de basquete americano.

Nos desdobramentos do caso, semanas depois, a FTX entrou com pedido contra falência nos Estados Unidos. Em paralelo, o suposto esquema trouxe uma série de consequências que impactou desde a reputação de investidores da empresa até os negócios de outros players da cadeia de criptomoedas.

Esses e outros componentes alçaram o julgamento ao status de “um dos mais aguardados de todos os tempos”. E não apenas pela sentença de Bankman-Fried, que pode chegar a mais um século de prisão. Mas também pelos eventuais reflexos ao mercado de criptomoedas nos Estados Unidos.

Com a expectativa de um veredicto num prazo de seis semanas, o julgamento terá início na terça-feira, a partir da seleção do júri. De um lado, além de “milhões de páginas de provas”, a acusação estará reforçada com depoimentos de amigos, parceiros e executivos próximos à Bankman-Fried.

Essa “artilharia pesada” incluirá ao menos quatro ex-executivos das relações do empreendedor, que já se declararam culpados. Entre eles, Caroline Ellison, ex-executiva-chefe da Alamenda Research e com quem Bankman-Fried teria mantido um caso.

No canto oposto, a defesa do fundador da FTX será liderada por Mark Cohen. Segundo fontes ouvidas pelo jornal britânico Financial Times, a expectativa é que uma das linhas principais adotadas pelo advogado e seus pares será justamente minar a credibilidade dessas testemunhas e transferir a culpa para esses executivos e também para os advogados da FTX.

Em contrapartida, a hipótese de Bankman-Fried admitir sua culpa é vista como pouco provável. Especialmente pelo fato de que os eventuais incentivos para que ele optasse por essa alternativa perderam força à medida que o caso avançou para os tribunais.

O comportamento adotado por Bankman-Fried desde o escândalo também não favorece o empreendedor. Ele chegou a ser preso durante o processo, mas foi solto com o pagamento de uma fiança, no valor de US$ 250 milhões, sob a pena de ficar confinado na casa de seus pais, na Califórnia.

Após uma série de violações a esse acordo, entre elas, um suposto vazamento de documentos privados para o jornal The New York Times, em agosto deste ano, o juiz Lewis Kaplan revogou a fiança e determinou que Bankman-Fried voltasse para a prisão, em Nova York.

Desde então, o empreendedor tem feito uma série de reclamações, por meio dos seus advogados. Os questionamentos incluem desde a falta de acesso a equipamentos e à internet para se preparar para o julgamento até a “dieta” que ele vem sendo submetido atrás das grades.

Antes de chegar a essa situação, Bankman-Fried e sua FTX viveram dias bem mais fartos. O empreendedor chegou a acumular um patrimônio de mais de US$ 20 bilhões.

Já a empresa, que, em seu auge, foi avaliada em US$ 32 bilhões, despertou o apetite e atraiu aportes de investidores do calibre da Sequoia Capital, BlackRock e Temasek.

Com a derrocada da exchange, o trio também passou a ser questionado por não ter tido a devida diligência ao avaliar o investimento na operação. A Sequoia Capital, por exemplo, conhecida por sua régua alta, chegou a entrar em contato com seus investidores para pedir desculpas pelo ocorrido.

Entre tantos atores afetados pela FTX há, no entanto, quem não tenha perdido a fé nos investimentos em criptomoedas, mesmo diante dos prejuízos causados pela plataforma. Esse é o tema de um documentário produzido pela rede americana CNBC, cuja estreia está marcada para essa segunda-feira.

Um dos personagens entrevistados na produção é Evan Luthra, desenvolvedor de aplicativos, empresário e investidor-anjo. Um dos milhares de clientes impactados pelo colapso da FTX – foram US$ 2 milhões no seu caso – ele resume boa parte da mensagem do documentário.

“Quero que todos entendam que o erro aqui não foi o bitcoin, o erro não foi a criptomoeda”, afirmou, em entrevista à CNBC. “A razão fundamental pela qual compramos bitcoin, porque usamos bitcoin, não mudou.”