A Amazon entrou na mira da Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos (FTC) por práticas anticompetitivas no mercado. Uma investigação realizada por autoridades antitruste aponta que a companhia estaria confundindo os consumidores como forma de aumentar a base de assinantes do Prime, o serviço de assinatura da empresa.
O Prime é um serviço de assinatura que concede vantagens aos consumidores da Amazon. Há possibilidade de receber entregas com frete grátis e em tempo reduzido. Os assinantes ainda ganham acesso aos serviços de streaming Prime Video ao Amazon Music. Nos EUA, a assinatura anual custa US$ 139. Por aqui, sai a partir de R$ 89.
O problema ganhou contornos maiores após uma reportagem do Business Insider com relatos de funcionários da varejista americana. Segundo a reportagem, a Amazon ignorou sugestões para impedir que os usuários assinassem o Prime por engano. "Temos sido deliberadamente confusos", disse um dos funcionários.
O que tem acontecido é que a Amazon vem se beneficiando de decisões de design em suas plataformas digitais que levam os clientes a tornarem-se assinantes do Prime sem realmente saber o que estão fazendo.
Isso ocorre, por exemplo, quando a companhia coloca um botão em sua página de compras com a inscrição “obter entrega gratuita em dois dias com Prime”. O clique faz com que o usuário inicie uma avaliação gratuita de 30 dias do serviço. Imediatamente após o período, a assinatura começa a ter uma cobrança mensal.
A única maneira de evitar a cobrança é realizar o cancelamento do serviço ainda durante o período gratuito, o que evitaria a renovação automática. Para fazer isso, no entanto, o processo exige mais do que apenas um único clique num botão bem chamativo.
Pelo menos desde 2017, segundo o Business Insider, a Amazon vem recebendo reclamações referentes a esta prática. O problema, no entanto, é que a companhia não tem tomado atitudes drásticas para mudar isso.
Sugestões para as correções foram feitas por funcionários e ex-funcionários, mas foram arquivadas. Há o entendimento de que uma mudança radical acarretaria a redução do crescimento da base de assinantes.
Com mais de 200 milhões de assinantes, a Amazon registrou receita de US$ 8,1 bilhões com a assinatura de seus serviços (que incluem, além do Prime, outros tipos de serviços como o Kindle Unlimited, por exemplo) no quarto trimestre de 2021, alta de 15% ante o mesmo período de 2020. No consolidado do ano, o valor sobe para mais de US$ 31 bilhões.
Pode não parecer muito para uma empresa que teve quase US$ 470 bilhões em receita no último ano. Ainda assim, é preciso considerar que as vantagens do Prime podem influenciar diretamente na decisão de compra de um produto da Amazon, o que impacta diretamente em outra fonte de receita.
No começo deste ano, a presidente da FTC, Lina Khan, emitiu alertas gerais sobre os chamados “padrões sombrios” na dificuldade de cancelar uma assinatura do Prime. As investigações seguem em andamento e, caso seja comprovado que a Amazon vem se beneficiando dessas práticas, a companhia pode ser punida pelo órgão.
A Amazon afirmou, por meio de um porta-voz, que o processo de inscrição e cancelamento do Prime é “simples e transparente e apresenta claramente aos clientes as escolhas e as implicações dessas escolhas”.
Um dos relatórios produzidos ainda em 2017 apontava que havia pouca clareza num botão com a inscrição “Continuar com frete grátis em 1 dia'” e que levava à assinatura do Prime. Sugestões para mudar o texto e incluir a informação de que a vantagem necessitava da assinatura foram sugeridas na época, mas demoraram anos para serem implementadas.
Um relatório interno produzido em 2020 apontava que funcionários do Prime sugeriram a substituição de alguns botões para outros com mensagens mais claras sobre a assinatura e o processo de renovação automática. Alguns botões problemáticos, no entanto, como aquele com o texto “obtenha entrega gratuita em dois dias com Prime" continuam no site até hoje.
A "apatia" da Amazon neste sentido está diretamente relacionada aos resultados. Um e-mail obtido pelo Business Insider apontou que as mudanças sugeridas em 2017 levaram a um impacto negativo com a redução das inscrições acidentais. Para compensar, seria preciso aumentar a base de usuários em 12%.
Segundo relatos de funcionários e ex-funcionários da Amazon, havia uma clara ciência de que a companhia optou por uma estratégia de aumentar sua base de membros em detrimento da satisfação dos clientes, já que os pedidos de reclamação em relação às práticas aumentavam ao longo dos anos.
A Amazon fez sugestões e realizou algumas mudanças em seu design ao longo dos últimos anos. Em 2020, a companhia rascunhou alterações na contratação e na renovação do Prime com a adição de lembretes sobre a renovação, botões maiores e mais claros e opções para impedir a renovação automática. Nenhuma dessas recomendações entrou em vigor desde então.