Em meio a questionamentos de bancos sobre o pedido de tutela cautelar para proteção contra credores, a Ambipar atribuiu ao ex-CFO, João Daniel Piran de Arruda, "papel-chave" pela medida que resultou na “situação calamitosa” que enfrenta, que poderá levar ao vencimento antecipado de dívidas de quase R$ 11 bilhões.
Mas fontes ouvidas pelo NeoFeed apontam que a operação tinha a anuência de Tercio Borlenghi Junior, CEO e controlador da empresa, e que ele tem controle e conhecimento sobre tudo o que acontece nas operações.
A acusação da Ambipar consta nos esclarecimentos apresentados à Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), em 3 de outubro, no processo em que a empresa de gestão de resíduos busca manter a tutela cautelar, contestada por bancos credores.
Na petição obtida pelo NeoFeed, a Ambipar afirma que João Arruda firmou com o Deutsche Bank o “desastroso aditivo” que previa a hipótese de dação em pagamento de títulos emitidos pela companhia no exterior, "ampliando as hipóteses de vencimento antecipado".
O aditivo previa que a obrigação de pagamento em dinheiro da diferença da taxa calculada na forma dos contratos de swap poderia ser substituída pela entrega de green bonds. Por conta da desvalorização dos títulos no mercado secundário, o Deutsche Bank passou a exigir o aporte de garantias "muito superiores ao que seriam exigíveis, o que, poucos dias antes da apresentação da tutela cautelar de origem, representava um dispêndio de caixa significativo, da ordem de mais de R$ 200 milhões".
Segundo os advogados da Ambipar, Arruda teria migrado contratos de swap do Bank of America (BofA) para o Deutsche Bank e negociado o aditivo com o banco alemão “sem o prévio conhecimento – e menos ainda autorização – do conselho de administração”. A petição afirma que tal medida acabou "alterando a própria natureza da dívida e criando esse completo desbalanceamento nas finanças do Grupo Ambipar".
"Após esse aditivo celebrado em circunstâncias absolutamente estranhas e conferindo uma interpretação deturpada de determinadas disposições, o Deutsche Bank passou a exigir mais garantias financeiras do Grupo Ambipar atreladas à variação do preço dos green bonds emitidos – que se encontravam em baixa, ou seja, em situação corriqueiramente conhecida como 'queda do papel'", diz um trecho da petição.
A acusação contra Arruda não consta no pedido de tutela antecipada feito pela Ambipar. E uma cópia do contrato do aditivo com o Deutsche Bank, obtida pelo NeoFeed, indica que a operação foi avalizada por dois executivos próximos a Borlenghi. Fontes próximas à Ambipar dizem que o controlador da empresa estava ciente de sua assinatura.
O documento, datado de 18 de agosto, mostra a assinatura de Thiago da Costa Silva, diretor de integração e finanças; e de Luciana Freire Barca Nascimento, diretora adjunta, cuja função é auxiliar "o diretor-presidente em suas atribuições", segundo consta no site da Ambipar. A assinatura de Arruda não consta no documento, mas fontes dizem que ele tinha conhecimento do acordo.
O contrato, antecipado pelo site Pipeline, afirma que a “operação de derivativo foi discutida e aprovada nos fóruns competentes” e que a companhia “tem conhecimento e experiência suficientes para entender a estrutura da operação”.
“Nada é aprovado sem o Tercio aprovar”, diz uma fonte. “E esse foi um acordo firmado por dois diretores próximos a ele, por quem passam muitas decisões da empresa.”
Arruda permaneceu como CFO por quase um ano, renunciando no fim de setembro. Ele foi contratado após 15 anos como managing director do BofA, onde participou do IPO da Ambipar em 2020, do follow-on em novembro de 2023 e da emissão de green bonds de US$ 750 milhões em fevereiro de 2024.
Além dele, diversos executivos de mercado sem ligação com Borlenghi, contratados por Arruda para reforçar a governança corporativa, deixaram a empresa. Entre eles, Mauro Nakamura, ex-Votorantim e SteelCorp, e Fabio Armani, ex-Itaú e CBMM.
Fontes com as quais o NeoFeed conversou afirmam que a maioria dos profissionais foi substituída por nomes alinhados a Borlenghi. No mesmo dia em que a troca de CFO foi comunicada, em 22 de setembro, a Ambipar anunciou uma emissão de R$ 3 bilhões em debêntures, sem contratar uma instituição para intermediar a oferta, algo incomum, dias antes do pedido de cautelar.
“Ficou claro que aquela estrutura de governança anterior era para o mercado ver. Lá dentro, a história é outra”, diz uma fonte, que conhece os corredores da Ambipar.
Uma fonte questiona o uso do aditivo como justificativa para a tutela cautelar, considerando que o contrato com o Deutsche Bank não é irregular. O estatuto da Ambipar estabelece que o board só precisa aprovar empréstimos e obrigações acima de R$ 500 milhões – o empréstimo com o Deutsche soma US$ 35 milhões (R$ 187,2 milhões).
Além disso, o valor exigido pelo Deutsche Bank na última chamada de margem, de R$ 60 milhões, é pequeno diante do risco de vencimento antecipado das dívidas, que poderia desencadear o vencimento cruzado de todas as obrigações, gerando um rombo de quase R$ 11 bilhões, mesmo com todos os questionamentos relativos ao caixa. “Quem pede RJ por conta de R$ 60 milhões? O que levou a esse pedido?”, questiona.
Procurados pelo NeoFeed, a Ambipar informou que não comentaria. João Arruda não respondeu aos pedidos de entrevista até a publicação da matéria.
As ações da Ambipar fecharam o pregão de sexta-feira com queda de 49,1%, a R$ 1,40. No ano, os papéis recuam 88,4%, levando o valor de mercado a R$ 2,3 bilhões.