As ações de Azul e Gol reagiram bem à proposta de fusão das duas companhias aéreas na quinta-feira, 16 de janeiro. Na B3, os papéis subiram 2,7% e 5,5%, respectivamente, em um pregão marcado pela queda de 1,15% do Ibovespa. No início do pregão de sexta, 17, Azul (-0,88%) e Gol (-1,7%) estavam entregando parte desse ganho da véspera.

Mas o entendimento, em geral, é que a união de duas empresas, hoje deficitárias e mergulhadas em grave crise de geração de caixa, pode criar um negócio saudável. Se operação for concluída e aprovada pelos órgãos reguladores, a junção das duas companhias dá origem a uma gigante com mais de 300 aeronaves, faturamento combinado de R$ 25,3 bilhões de janeiro a setembro de 2024 e 60,3% do mercado nacional, desbancando da liderança a Latam, que tem 39,4%.

Mas o mapa dessa aliança aponta para uma situação financeira pior no curto prazo antes de alcançar o sonhado céu de brigadeiro. Uma análise feita pela Málaga Consultoria, compartilhada com exclusividade com o NeoFeed, mostra que Azul e Gol devem passar por um período de dois a cinco anos de dificuldade financeira.

“A fusão representava a única alternativa para que pudessem tentar sair da UTI financeira”, diz Flávio Málaga, sócio-fundador da consultoria que leva o seu nome.

"Os gestores terão de lidar com um prejuízo liquido de R$ 10 bilhões, aproximadamente, e uma enorme pressão financeira de curto prazo. No momento, o valor das empresas é meramente especulativo", complementa.

O ponto-chave no cenário é o capital de giro negativo das duas empresas, que fica em torno de menos R$ 27,8 bilhões por ano. O endividamento das duas companhias somado é de R$ 57 bilhões (R$ 30 bilhões da Azul e R$ 27 bilhões da Gol) e o prejuízo líquido das aéreas chega a R$ 9 bilhões, sendo R$ 6,5 bilhões da Azul e R$ 2,5 bilhões da Gol.

Os analistas da XP Pedro Bruno, Matheus Sant’anna e João Ramiro, classificaram a operação, ainda um memorando de entendimentos não vinculante,  como “uma série de fatores de incertezas” pois não houve a relação de troca entre as duas ações nem a decisão sobre qual empresa será integrada à outra.

“Mantemos nossa recomendação neutra com base em um ambiente macroeconômico desafiador e em um potencial de diluição ainda incerto na estrutura acionária pós-transação”, escreveram eles.

Nesse esforço geral para amarrar um pacote de reestruturação, a expectativa é a de que parte da dívida com credores seja transformada em participação acionária. “Vai haver uma repactuação do passivo, transformando um pedaço dessa dívida em ações da nova empresa. Sem isso, a fusão não se sustenta”, diz Málaga.

Ao NeoFeed, o CEO da Azul John Rodgerson disse que a ideia é que a divisão seja de 50% para cada companhia. “Não haverá vencedor e perdedor. Vamos fazer tudo igual”, disse ele.

Tudo isso será feito mediante novas capitalizações e depende também que a Gol, que tem a família Constantino com principal acionista, emerja mais forte da RJ. Nas próximas semanas, a Azul vai converter dívidas de US$ 1 bilhão em equity e está captando mais US$ 500 milhões no mercado.

Os analistas do Santander Lucas Barbosa, Felipe Ballevona e Gabriel Tinem, veem um cenário competitivo da indústria aérea brasileira, “mas achamos que será um caminho longo e sinuoso até que as sinergias possam ser entregues”.

“Acreditamos que a NewCo sofreria em algumas frentes, como a integração de frota, dado o uso de diferentes aeronaves pelas empresas em fusão, o que implicaria em falta de sinergias quando se trata de treinamento de pilotos, mecânicos de aeronaves, centros de manutenção, entre outros”, escreveram eles.

Disposição do governo

O que pesa a favor de uma luz no fim do túnel é a disposição do governo federal em querer que a nova empresa fique de pé. Recentemente, a União fechou acordo com as duas para reduzir em R$ 4,8 bilhões o volume da dívida com a Receita Federal.

Ao contrário do setor bancário, que tem um fundo garantidor caso um banco quebre, no caso da aviação não há uma alternativa semelhante. Por isso o cenário é tão preocupante.

Sem a aliança proposta por Azul e Gol, não seria difícil que o Brasil passasse por um novo episódio de insolvência, como aconteceu com a Transbrasil, em 2002, e com a Varig, em 2010.

“A realidade é que, se hoje elas param de voar, o Brasil fica desconectado, porque elas têm uma capilaridade muito grande”, diz Málaga. “E a Latam não conseguiria absorver essa demanda de atender as cidades do Brasil. Seria um problema muito sério.”