BRASÍLIA – A economia brasileira vai passar a conhecer a força de um território nacional ainda pouco explorado: a “Amazônia Azul”, como está sendo chamado o mar brasileiro.
Depois de anos de promessas, começa a sair do papel um mapeamento inédito do oceano brasileiro, um levantamento que vai identificar, com precisão, todas as potencialidades econômicas que podem – ou não – ser exploradas nas águas salgadas do País. E um mar sem fim de negócios vem por aí.
O Brasil possui, sob sua jurisdição, uma área oceânica de 5,7 milhões de km², o que representa cerca de 40% de todo o território nacional, se incluído o terrestre. Parte da relevância econômica desta área já é conhecida.
É pelo mar que passa 95% do comércio exterior brasileiro. Da Amazônia Azul é extraído 95% do petróleo, 80% do gás natural e 45% do pescado produzido no País. Em termos logísticos, trafega pelo oceano nada menos que 20% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Mas o potencial é muito maior do que isso.
A força dos ventos dá uma ideia do potencial econômico que as eólicas offshore podem gerar. Os dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apontam para uma capacidade de geração de energia de nada menos que 700 Gigawatts de potência em locais com profundidade de até 50 metros, o que significa mais de três vezes a potência geral de energia que o Brasil possui hoje, considerando todas as fontes da matriz energética.
Para se ter uma ideia do que isso significa, as estimativas internacionais praticadas por empreendedores para desenvolvimento de projetos de eólicas offshore apontam que para cada 1 GW construído no mar são necessários entre US$ 2,5 bilhões e US$ 3 bilhões de investimento. Na linha do horizonte, portanto, o futuro flerta com a casa dos trilhões de dólares.
O que vai trazer números mais precisos da "Amazônia Azul" é o projeto Planejamento Espacial Marinho (PEM). Com apoio técnico e financeiro do BNDES, que vai injetar R$ 42 milhões na elaboração do plano, o governo federal deu início, em janeiro, naquilo que pode ser definido como um processo de “urbanização” do mar, uma espécie de colonização das águas.
O objetivo é não só identificar cada uma das potencialidades que podem ser exploradas nas águas nacionais, como em qual localidade, com qual dimensão, com que frequência e por quanto tempo, além daquelas regiões que devem ser alvo de preservação irrestrita.
Para além de atividades tradicionais, como transporte, pesca e extração de petróleo e gás, já foram identificadas nada menos que 60 tipos de atividades econômicas que envolvem a exploração do mar, uma lista que passa por atividades como aquicultura, energias renováveis, mineração turismo e meio ambiente, entre outras (veja quadro abaixo).
O NeoFeed conversou com três autoridades da cúpula da Marinha para compreender o andamento do trabalho que, hoje, envolve a colaboração de 16 ministérios, para se chegar a um desenho final das riquezas marinhas do Brasil.
“O resultado do Planejamento Espacial Marinho (PEM) será uma peça fundamental não só para dinamizar a economia, mas também para orientar as políticas públicas e justificar investimentos, programas, medidas de incentivo e proteção”, diz o almirante da Marinha Ricardo Jaques, secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), que participa da elaboração do planejamento.
No fim de janeiro, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, anunciou uma série de medidas voltadas à indústria naval brasileira, o que inclui o aporte de R$ 2 bilhões para a construção naval, por meio do Fundo da Marinha Mercante (FMM). Na ocasião, foi assinado o primeiro contrato do Planejamento Espacial Marinho.
Próximas fases
Devido à dimensão de 8,5 mil quilômetros de costa, o governo optou por dividir os estudos em fases. O primeiro contrato, da Região Sul, terá início na divisa do Paraná com São Paulo e seguirá até o extremo do Rio Grande Sul, na divisa com o Uruguai.
O trabalho será executado pela empresa Codex Remote, selecionada por edital, que fará o estudo técnico e mapeamento dos usos atuais e potenciais do ambiente marinho. Serão injetados R$ 7 milhões não reembolsáveis nesta parte do projeto, que terá duração de 36 meses para sua conclusão. Na prática, esse tempo será usado para integrar informações técnicas que já são conhecidas, mas que estão espalhadas em diferentes órgãos e instituições a respeito do oceano.
“O que faremos, num primeiro momento, é reunir as peças do quebra-cabeças. Depois, numa segunda fase, esse quebra-cabeças será montado para, finalmente, numa terceira fase, inserir a inteligência sobre esses dados, identificando potencialidades”, diz o comandante Rodrigo Carvalho, que é subsecretário do Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (Leplac) e encarregado do PEM.
Com o conhecimento aprofundado sobre as potencialidades do mar, o que também se pretende é evitar problemas de sobreposição que venham a ser causados pela exploração descontrolada. E isso já é uma ameaça presente.
Nos escaninhos do Ibama, por exemplo, há hoje um total de 96 megaprojetos de exploração de energia eólica no mar. O mercado das “eólicas offshore” ainda não teve início efetivo no Brasil e hoje é alvo de um projeto de lei que tramita no Congresso Nacional. A localização dos empreendimentos já requeridos, no entanto, dá uma ideia do custo de não haver um mapeamento completo das águas e suas principais vocações.
Carvalho menciona, como exemplo, os pedidos já requeridos na região oceânica que circunda o Porto do Açu, no Rio de Janeiro. “Nesta região do norte fluminense, já foram registrados 13 pedidos de projetos eólicos, que somam 33 gigawatts de potência. Acontece que nós já identificamos que, se todos fossem liberados, isso simplesmente travaria todos os acessos ao porto. A navegação estaria inviabilizada”, comenta. “Por isso, além de identificar potencial econômico, o planejamento vai revelar potenciais conflitos de uso do espaço marinho.”
No fim de janeiro, o governo também lançou o edital do PEM para a região Sudeste, com financiamento de R$ 12 milhões em recursos não reembolsáveis. Em breve deverá lançar a concorrência para contratar o mesmo projeto para as regiões Nordeste e Norte.
O compromisso é que, até 2030, o trabalho esteja concluído em todo o país. Com a conclusão do mapeamento, será apresentado ao BNDES um caderno de negócios potenciais para orientar investimentos do banco de fomento.
“Estamos realmente colonizando o mar, trazendo da terra esse conceito de ocupação. É um plano de urbanização dos oceanos”, diz o almirante de esquadra Ilques Barbosa Junior, um ex-comandante da Marinha, que chefiou a Força de janeiro de 2019 a março de 2021, quando entregou o cargo – ao lado dos comandantes do Exército e da Aeronáutica.
“O PEM vai coordenar, de forma mais ampla, quatro vertentes: o interesse econômico; o ambiente científico, tecnológico e de inovação; o meio ambiente; e a soberania nacional”, comenta Barbosa Junior, que tem colaborado na elaboração do plano e hoje coordena a área de desenvolvimento de negócios e relações institucionais do plano tecnológico naval do Rio de Janeiro.
Do ponto de vista ambiental, o PEM também é visto como peça fundamental para o controle das emissões de gases de efeito estufa, explica a diretora do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ana Paula Prates.
“É um projeto crucial para o País, principalmente dada a necessidade de descarbonização que temos. A descarbonização vai se dar, principalmente, em cima do mar. Precisamos de um oceano saudável para ele continuar a nos ajudar contra as mudanças do clima”, diz Prates. “Não podemos esquecer que o oceano é o maior regulador climático do planeta.”