O Brasil acabou se tornando o protagonista inesperado de uma das maiores transações da história do universo dos jogos eletrônicos. Em vez de ser o jogador que compra ou vende, neste caso o País é a "janela" que o mundo descobriu os detalhes da aquisição da Electronic Arts (EA) pelo Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita.

Um documento submetido ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que o The Wall Street Journal teve acesso, revelou a participação dos compradores da EA. De acordo com os números, o Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita (PIF, na sigla em inglês) controlaria 93,4% da fabricante de jogos eletrônicos, enquanto a gestora de private equity Silver Lake ficaria com apenas 5,5% e a Affinity Partners, de Jared Kushner, com 1,1%.

A informação contrasta com o anúncio inicial do negócio, feito em setembro deste ano, quando os três investidores foram apresentados como "consórcio" sem especificar as devidas participações. Na prática, o PIF saudita está praticamente sozinho no comando, arcando com quase todo o investimento de US$ 36,4 bilhões em capital próprio.

Essa operação deve se tornar a maior aquisição alavancada (uma estratégia financeira em que uma empresa é adquirida principalmente com capital emprestado, geralmente por meio de empréstimos ou emissão de dívida) da história, superando os US$ 32 bilhões pagos pela concessionária de serviços públicos TXU em 2007.

A EA, dona de franquias icônicas como The Sims, FIFA (agora EA Sports FC), Fórmula 1 e UFC, vinha sendo cortejada há anos. Em 2022, havia rumores de interesse da Microsoft e da Amazon. O CEO Andrew Wilson chegou a dizer que a empresa se preparava para se tornar a maior distribuidora independente de jogos do mundo, mas estava aberta a conversas.

No ano fiscal de 2025, encerrado em março, a EA registrou receita líquida de US$ 7,4 bilhões. Para 2026, a projeção é de faturamento entre US$ 7,1 bilhões e US$ 7,5 bilhões.

Brasil passa de fase

O Brasil é o quinto maior mercado de games do mundo em número de jogadores, com mais de 115 milhões de gamers e movimenta cerca de US$ 2,6 bilhões anuais no setor, tornando-se o maior mercado da América Latina e um dos dez principais destinos globais para a indústria de jogos eletrônicos.

Com esse tamanho de mercado, a EA não poderia ignorar o Brasil na sua mudança de controle. A lei brasileira exige que transações envolvendo empresas com faturamento relevante no País sejam notificadas ao Cade, que analisa se há riscos de concentração de mercado ou práticas anticompetitivas.

Nos últimos anos, o Cade tem se tornado referência na análise de operações envolvendo tecnologia e plataformas digitais. O órgão já recebeu quatro estrelas em rankings internacionais de agências antitruste, ficando atrás apenas de União Europeia, Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e Japão.

Compromissos do fundo saudita

O PIF não é um investidor qualquer. É o braço de investimentos soberanos da Arábia Saudita, com cerca de US$ 1 trilhão em ativos sob gestão. O fundo é peça central da Visão 2030 do país, um plano ambicioso para diversificar a economia saudita para além do petróleo.

Segundo o WSJ, o PIF está cada vez mais “esticado” por estar comprometido com megaprojetos como a Neom (uma cidade futurista no deserto), estádios para a Copa do Mundo, compras de participações em empresas globais e investimentos em esportes (incluindo a controversa LIV Golf e o Newcastle United).

Com o PIF arcando com quase US$ 29 bilhões de dinheiro novo para a operação da EA (além de converter uma participação existente de US$ 5,2 bilhões), a transação representa um dos maiores compromissos únicos do fundo saudita.

Isso acontece em um momento em que o déficit fiscal da Arábia Saudita deve mais que dobrar em 2025, chegando a 5,3% do PIB, o maior patamar desde 2020. Os preços do petróleo seguem estáveis, pressionando a principal fonte de receita do país.